1 de agosto de 2021

um porco que vira porto

dobrasdaleitura | Nas últimas semanas aconteceu uma dose de sincronicidade entre propósitos de leitura em torno dos livros da Casa Lygia Bojunga, assim que se deu o término do curso Escrever para Crianças na @salatatui e fui retomando uma colaboração para o @clubequindim — dois para lá, dois pra cá, retomando quatro dos cinco primeiros títulos da autora. E a gente começa a ter algumas ideias abotoadas com lembranças e sugestões...
Por exemplo, ANGÉLICA (1975) é uma história de animais em diálogo com a tradição das fábulas e com um Brasil que ainda não concluiu as mudanças que tantas e tantas vezes sonhou. Na trama, há um porco que troca uma letra do nome para virar Porto e um elefante velho e sozinho cujo nome é Canarinho, ambos às voltas com a falta danada de emprego e inventando dias melhores pra todo mundo, afinal ninguém merece perder um pedaço de si mesmo (como fez o Jota), nem ninguém (como temos feito, ainda) para poder sobreviver. Do jogo literário, me encanta o encaixe de haver uma peça de teatro chamada ANGÉLICA que os personagens escrevem e encenam dentro do romance que se chama ANGÉLICA, história que abre e esconde outra história, e ocorre parecer estranho não ter lido até hoje uma comparação da obra de Lygia Bojunga com o musical de Sergio Bardotti e Luiz Enríquez Bacalov, OS SALTIMBANCOS que Chico Buarque traduziu em 1977. E, neste um ano e tralalá em que me ocupei a pensar os gêneros narrativos que me nutrem durante o isolamento social, recorto falas da página 86 que não devem ficar caladas:
ANGÉLICA — Mas se a gente sabe que é mentira, como é que a gente vive espalhando essa ideia? Como é que a gente tem até bandeira bordada com cegonha carregando bebê?

LUTERO — Porque é por causa dessa mentira que a gente vive bem, que a gente ganha presente, que todo mundo nos respeita, que...

ANGÉLICA — Mas se a gente sabe que é mentira, a gente não pode passar a mentira pros outros! A gente tem que parar e dizer: é mentira! essa ideia não vale!

LUTERO — Ah, pera lá, Angélica, e como é que a gente fica?

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