18 de junho de 2011

desenrolar & desdobrar

peter oooooo'



Um fio, um poema que se lança com uma pergunta, um livro feito para desdobrar, uma pergunta, um texto, uma ideia que se estende num livro-objeto: FIO, de Ana Terra nos convida a pensar. Sabe de onde vêm as histórias? Um coelho de óculos, um chapéu azul, folhas e carona no vento, uma princesa que acorda, um fio, bolhas de sabão. Quanto tempo? Um extraterrestre tricota um comprido pé de meia, uma nuvem que desfia suas gotas, histórias, histórias, histórias, uma ideia, um poema. Um livro? Para desenrolar e brincar, uma arlequinada produzida pela Dulcinéia Livros (2009).

Um livro? Um fio.

14 de junho de 2011

como uma tapeçaria líquida

da caixa de epígrafes de peter o, sagae


« Olhou para a água e reparou que ela era feita de milhares e milhares e milhares de correntes diferentes, cada uma de uma cor diferente, que se entrelaçavam como uma tapeçaria líquida, de uma complexidade de tirar o fôlego; e Iff explicou que aqueles eram os Fios de Histórias, e que cada fio colorido representava e continha uma única narrativa. Em diferentes áreas do Oceano havia diferentes tipos de histórias, e como todas as histórias que já foram contadas e muitas que ainda estavam sendo inventadas podiam se encontrar aqui, o Mar de Fios de Histórias era, na verdade, a maior biblioteca do universo. E como as histórias ficavam guardadas ali em forma fluida, elas conservavam a capacidade de mudar, de se transformar em novas versões de si mesmas, de se unierem a outras histórias e assim se tornarem novas histórias; de modo que, ao contrário de uma biblioteca de livros, o Mar dos Fios de Histórias era muito mais do que um simples depósito de narrativas. Não era um lugar morto, mas sim cheio de vida. »

De Salman Rushdie, um fragmento de HAROUN E O MAR DE HISTÓRIAS, trad. Isa Mara Lando (Companhia das Letras, 2001).

7 de junho de 2011

poesia, pesadelo e pescaria

peter o...


Amarrando o leitor às sugestões palavra & imagem, JOÃO POR UM FIO, de Roger Mello (Companhia das Letrinhas, 2005), é um livro como poucos. A figura esquemática [ora silhueta preta, ora sombra branca] representa um menino [todo menino] que se lança a aventuras que só o devaneio conhece, entre a vigília e o sonho, brincando com uma colcha de mil linhas, minuciosos desenhos e vazados em constante transformação [mágica]. Não há, por todo livro, duas páginas em que o tecido se repete.


O olhar do leitor encontra [conforto e fantasia] nas composições da colcha que pertence a João. Agora ele está no interior de um útero de renda e se — um beijo na testa ainda beija — ouvimos no verso a ternura de boa-noite que fica depois da despedida de mãe [ou um pai, talvez pescador] que lhe conta histórias, lá/aqui onde tudo é vago... Onde é que se esconde a noite? Dentro ou fora da colcha, abaixo ou acima, muito acima? Onde paira a lua que pousa crescente na mão de João? O útero é então montanha... A colcha mágica é tudo.

Entre rosáceas e estrelas de todo o traçado, o olhar de quem lê esbarra [enfeitiçado] com figuras e fundos em oposição, sobreposições, indícios que fogem à uma apreensão única breve. É preciso demorar-se, é preciso devanear. [Roger Mello exige câmara lenta, uma outra órbita] Onde se esconde a noite, é uma pergunta recorrente de sonho e pesadelo. A colcha de João assume uma inusitada perspectiva: uma catedral imersa num oceano de linhas, como soa sonhos sombrios La cathédrale engloutie, de Debussy. Existe mar na cama?


Espiando uma página e outra, tempo depois. Lacunas se completam apenas com novas lacunas — espaços não preenchidos. Como um jogo, livro-jogo o livro todo, leituras móveis, leitor pescado na armadilha de uma montagem por fusões. É triplamente 1.1.2 diagrama coreográfico, 1.2.2 interpolação de planos e 1.3.2 ordem distributiva, na sintaxe espacial palavra e imagem.

caiu na rede, é sonho ou sereia

peter peter guarda...


As páginas de guarda sempre podem revelar surpresas para quem gosta de ver e ler significados ali escondidos, quando a mão do ilustrador vai além da mera decoração. Às vezes, fatos curiosos se anunciam... Roger Mello ilustrou e guardou o cordel de Zélia Gattai, JONAS E A SEREIA  (Record, 2000). Tem pente, tem espelho na rede. E tem remo. Página de guarda rima também: JOÃO POR UM FIO, todo livro verso e desenho de Roger Mello (Companhia das Letrinhas, 2005).


Na tese Imagens e enigmas na literatura para crianças (USP, 2008), escrevi... “Entre a capa e o corpo do livro, as folhas de guarda vêm mostrar que nem tudo o que cai na rede é peixe: entre chumbadas, um emaranhado de linhas brancas que teceu o artesão-ilustrador, num jogo onde parece não existir figura nem fundo, o que se vê está por baixo ou acima da tarrafa: duas libélulas que apelidam as crianças ora helicópteros, ora lava-bundas; certo crustáceo marinho, talvez Ceratoserolis meridionalis; um pote de vidro com três bolinhas dentro e mais outro com o que sobrou de uma concha em espiral; um caminhão certamente brinquedo, e cinco peixes. Aqui, diferente de outros livros, somente o tema vai se revelando por estranhas associações — e o peixe de papelão que pode atravessar de parte a parte o suporte material.”