8 de julho de 2025

verso que estica, verso que encolhe

dobrasdaleitura |
Tradução talvez seja um exercício muito próximo dos esquemas de ‘close reading’, tropeçando em cada palavra, à cata de sons, ritmo ou imagens. Verso que estica, verso que encolhe, desde a língua de partida, às diferentes chegadas...

I –
There was on Old Man with a beard,
who said, “It is just as I feared! –
Two Owls and a Hen,
four Larks and Wren,
Have all built their nests in my beard!

Edward Lear : A book of nonsense (1846)

II –
Havia um velho de longa barba
que se lamentava: “Que coisa bárbara! –
Pardal, andorinha,
coruja, galinha,
Tudo se aninha na minha barba!”

José Paulo Paes : Sem cabeça nem pé,
com ilustrações de Luiz Maia (1991)
III –
Había un hombre de barba espesa
Que dijo: “¡Vaya sorpresa
Una gallina y dos lechuzas
Quatro calladrias e una grulla
Anidaron em médio de mi barba espesa!”
Eduardo Berti (2010)
IV–
Havia um sujeito com barba gigante
Que disse, “Mas é natural que me espante!
Corujas e uma galinha,
Sabiás mais algumas rolinhas,
Em mim construíram um ninho gigante!

Renato Moriconi : 200 limeriques de
Edward Lear para ler e para ver
(2024)
🧡 #quemtemquindimtem
V –
Havia um velho de hirsuta barba,
que alto contava, “Isso aqui me amarga! –
Duas corujas e galinha caipira,
Quatro cotovias, uma corruíra,
Todas assim aninhadas na minha barba!

peter O sagae (2025)

#dobrasdapoesia #edwardlear
#limerique #limerick

6 de julho de 2025

o bom vizinho da poesia

Poeta severo, tradutor e crítico literário, na minha estante, Régis Bonvicino permanece o bom vizinho da poesia em geral e dos livros para crianças.

Quem nunca ouviu citados, pelo bikerrepórter da Rádio Eldorado, uns versos seus na hora do rush paulistano?
não há saídas
só ruas viadutos
avenidas
Mas aqui estico o braço e abro “O beija-flor”, pequeno pássaro com bico preso num grampo de cabelo, na parceira com @guto.lacaz, no livro NUM ZOOLÓGICO DE LETRAS (Maltese, 1994).
O beija-flor
queria beijar uma flor
voou voou voou
mas flor para beijar
não encontrou

o beija-flor
queria beber água pura
voou voou voou
mas água pura para beber
não encontrou

o beija-flor
queria comer inseto
voou voou voou
mas inseto para comer
não encontrou

então
muito triste
o beija-flor perguntou
em que mundo estou?
em que mundo estou?
#dobrasdapoesia

Veja também no blog Dobras da Leitura, abril de 2013, uma reunião de autores na resenha LETRA, TIPO, PALAVRA... BICHO! Régis Bonvicino com Guilherme Mansour, Arnaldo Antunes e Zaba Moreau.

27 de junho de 2025

pensar sensivelmente

dobrasdaleitura | Nina-nana
— Meu bem, meu bem,
o que você tem?

— Vontade de açúcar,
na lata não tem.

— Meu bem, meu bem,
por que você chora?

— Vontade de amora,
na cesta não tem.

— Meu bem, feche os olhos,
que o sono já vem!

— O sono tem leite?
O sono tem pão?

— Filhinho, tem não.
Vai, dorme, querido.
Papai foi embora,
mamãe te quer bem!
Sempre volto à leitura de Maria Dinorah, neste livro PANELA NO FOGO, BARRIGA VAZIA (L&PM, 1984), pela simplicidade dos versos e das ilustrações de Leonardo Menna Barreto. A força de sua poesia me conduz a pensar sensivelmente as questões sociais. Do Brasil e do mundo.
Conheça mais @institutomariadinorah
#mariadinorah #dobrasdapoesia

22 de junho de 2025

um fabuloso labirinto de leituras

dobrasdaleitura 2025 | Treze livros, uma obra de Roger Mello, algumas fotos, minhas resenhas. Escrevi a respeito de ZUBAIR E OS LABIRINTOS (2007) em duas outras ocasiões e ocorreu voltar a elas... Uma guerra é sempre uma imagem sinestésica, nos estilhaços de realidade e sons. Uma guerra é uma cortina de fumaça, não se engane, com os recentes ataques ao Irã na continuidade do massacre na Palestina e as investidas contra o Líbano, o Iêmen e a Síria. O que se esconde é o projeto colonialista de um inventado mundo ocidental. Uma guerra, pensemos, é uma guerra de ladrões.
[1]

Zubair corre por uma recente Bagdá em guerra, no labirinto em que sua própria vida se transformou — na extensão dos saques, vem o susto do menino. Homens armados em pontos estratégicos, contudo muitos soldados também se espalham, sem um cálculo preciso, pela cidade. O barulho das sirenes é infernal — e a descrição de Roger Mello, prisma cubista, acelera uma imagem de agonia: é a imagem da guerra que fica em nossa mente. Quem viu o menino tropeçar na respiração? Quem sentiu o zunido de uma caixa de marimbondos que faz o lépido Zubair guardar o ouvido no bolso?

Como todo livro é (ou deveria ser) trânsito de significados, Roger projetou sua obra em diferentes níveis de entrelaçamento entre o leitor e o objeto da leitura. Enquanto a narração caminha adiante, desenrolando o sempre-antigo fio da prosa, a capa vai sendo aberta feito um tapete que esconde dentro de si um livro. Na verdade, um outro livro: Os treze labirintos.

Certamente, não se trata apenas de um jogo caprichoso para apresentar, em três ilustrações, três ângulos da destruição, nem uma simples metáfora, ainda que tal manipulação configure uma provocativa imagem cinética. O livro em minhas mãos, a imitação do movimento de desenrolar um tapete, sincronizando as rotas do menino Zubair e o leitor. O segundo livro, assim guardado, possui uma realidade material peculiar, pois será folheado no sentido da direita para a esquerda, como fazem por todo o mundo árabe, e não deixa de ser a própria réplica do livro que Zubair tem em mãos.

• Comentários publicados na vitrine literária de Dobras da Leitura, Ano IX, n. 57, novembro de 2008.

[2]

Roger Mello é um dos raros artistas do livro e da literatura para crianças que une os extremos do mundo atual às arqueologias da palavra e da imagem, narrando a grande ventura dos homens em constituírem a História coletiva e suas histórias individuais. É a partir deste comprometimento que o autor nos conduz a um fabuloso labirinto de leituras com os olhos, os ouvidos zunindo, o coração celerado e os pés do menino Zubair.
A cidade de Bagdá (Iraque) estremecia sob o bombardeio e a invasão de tropas anglo-americanas. Durante nove dias, em abril de 2003, ruas, vielas, casas, muros, minaretes, palmeiras, janelas estilhaçadas corriam, fugiam à compreensão de que há uma vida diferente, nada heroica ou igual às realidades mostradas na televisão. A perdas materiais são sempre grandes. A cidade não existia como antes existia. Também os amigos e os parentes perderam a vida. Contudo, incontável, é a destruição cultural das peças históricas que se tornaram pó ou ainda poderiam ser encontradas sob os escombros da universidade e do museu da biblioteca nacional, alvo dos saqueadores de objetos de arte. Nove dias arrastaram, baniram, apagaram o tempo ancestral dos acádios, sumérios, assírios e babilônios: o mundo ali perdia seu precioso berço.

Neste cenário, sem ouvir os barulhos ensurdecedores da guerra, Zubair carrega um tapete enrolado em seus braços: envolvido no grosso tecido, um livro! As histórias, anedotas, alegorias, adivinhações ali registradas trazem a qualquer leitor a alegria do jogo, da poesia, da trapaça rústica e da transparência certeza de que nada mais existiria do que a invenção da palavra e suas miragens. Em nossa mente.

Com ilustrações e projeto gráfico de Roger Mello, temos aqui um duplo livro, objeto que se apresenta ao leitor primeiramente como uma capa que traz o relato da fuga do menino, entre soldados estrangeiros e iraquianos. Este livro-caracol se desenrola uma, duas, três vezes, como o próprio tapete nas mãos da personagem, escondendo outro livro em seu interior. Encontramos (Zubair e nós mesmos) o segundo livro, um volume em códex chamado “Os treze labirintos” e cujas páginas são viradas da esquerda para direita. E, no final, o jogo e o enigma. Eis que o menino conta e contabiliza somente doze labirintos... E nós, quantos nós conhecemos?

• Especial para o Clube de Leitura Quindim: Seleções, fevereiro de 2021 @clubequindim.

@rogermelloficial
@companhiadasletrinhas
🧡 #quemtemquindimtem