3 de novembro de 2011

a ficção tem suas máscaras

peter o'sagae


Demorei um tempo para entender a obra de Juliette Binet – A MÁSCARA, publicada na coleção Histórias sem palavras em 2009, pela Escala Educacional. De fato, uma palavra há. É forte e, de sua presença, emana um feixe de ideias: a máscara, uma máscara, qual máscara? O que ela esconde e igualmente virá revelar? Na capa do livro, crianças de uma beleza já bastante antiquada, rostos de porcelana, olhando vagamente o leitor. E tudo ali tão delicado, um incômodo só.

Então, quando atendi ao convite para o Salão do Livro Infantil de Minas Gerais, em participar de uma mesa a respeito de literatura e diversidade nos livros de imagem, aqueles rostos olharam-me através da memória. A obra de Juliette Binet havia persistido em mim, ainda que à primeira vista não lhe soubesse explicar... Sim, o texto visual possui a doce magia do fazer literário!

A curta e expressiva narrativa recebeu originalmente o título de Edmond, um nome com que podemos melhor identificar o personagem principal: um rato que veste jardineira de listras vermelhas e, detrás dos aros finos de seus óculos, detrás de um alto muro de pedras largas, observa a silhueta de um grupo de sete crianças brincando ativamente com uma bola. A distância amplia o tímido desejo que se revelará sob a máscara retirada secretamente do baú...


E Edmond, compreendendo parecer como os meninos e as meninas que vê – de cabelos encaracolados com raios claros, rostos desabrochando rosados e olhos brilhantes, embora tristes –, alcança figurar entre as novas companhias. Porém, sua máscara acidentalmente cai durante a algazarra... E o rato arrasta-se para casa em passos pesados, seguido apenas pela própria sombra. As crianças olham umas às outras, numa expectativa silenciosa que sugestivamente muito tem a dizer e – então, algo de maior importância desponta. Um chifre, uma orelha comprida, um focinho peludo...

Pertencendo à conduta simbólica desde a fábula às histórias de animais, este é um belo livro de imagem que traz consigo a tensão de uma narrativa bem contada e a mensagem necessária para ser descoberta por leitores de todas as idades, sob todas as máscaras da ficção.


* Outras páginas do livro são apresentadas [aqui] e [aqui]

2 de novembro de 2011

um dia ou um sonho, um menino e o leão

peter o'sagae


Mandana Sadat desenha muito mais que imagens; a autora franco-iraniana desenha relações e, sob um amplo e brilhante céu branco, abre a delicada narrativa visual que atravessa a extensa paisagem arenosa de um ensolarado deserto africano, onde um leão rubro e feroz de olhos amarelos salta sobre um menino, com seus afiados dentes arreganhados para o ataque, mas...


O movimento fatal impõe um inesperado encontro.

Sai o leão com o menino em suas costas e toda aquela imensidão árida cede lugar a uma companhia mansa. Entre as sombras poucas da savana e os animais selvagens sempre em grande número, o menino passeia imponente: o leão é seu amigo. Ninguém, no entanto, parece reconhecer sua natureza pacífica! Os guerreiros e caçadores, valentes, fortes, bravos, lançam alto e longe as lanças... A mãe corre para agarrar o seu filho. Tudo está aparentemente a salvo, em ordem. Como o homem determina.


No entanto, a visão poética de Mandana Sadat nos faz saber da indelével marca que o menino imprimiu na alma do leão. Em sonho, ele mesmo caminha sobre o céu escuro... A noite estende seu manto de segredos: igualmente sonha o menino com o horizonte último da civilização tribal... Quando poderá novamente dizer: este é meu amigo, MEU LEÃO (Escala Educacional, 2009).


1 de novembro de 2011

e quem, um dia, irá dizer...

peter o'sagae



A tranquilidade da manhã foi rompida quando uma raposa de nariz comprido saltou para dentro do terreiro e fugiu com uma galinha! Passado o susto, zás-trás, o galo nervoso e mal humorado agarrou as orelhas do coelho que, elétrico, pulou nos ombros do pacato urso – e partiram, floresta adentro, no encalço do bandido... Os três amigos não desistem, dia e noite, noite e dia, correndo pelo chão ou dormindo no alto das árvores, cansam e descansam, subindo montanhas, descendo as encostas da praia... Eis que lá vai o ladrão de galinha ao mar!


E você pode se perguntar onde essa aventura vai acabar... Respondo: numa ilha distante, além das ondas, muitas ondas, onde chegam o urso, o coelho e o galo exaustos. A lua alta sorri, há um céu de lilás e eles avistam a luz quente de uma janela pequenina. Todos prontos para atacar – porém, neste livro de imagem narrativo de Béatrice Rodriguez, o inesperado parece acontecer, com humor, sensibilidade e inteligência. Assim, contrariando certas expectativas e os olhares mais incautos, veremos que a raposa não é exatamente o vilão da história!


Depois de LADRÃO DE GALINHA (Escala Educacional, 2009), Béatrice Rodriguez produziu mais duas narrativas em livros de imagem: A RAPOSA E A GALINHA (2010) e A REVANCHE DA RAPOSA (2011), ainda inéditos no Brasil.