12 de dezembro de 2013

no tempo em que os bichos falavam...

peter ô.ô sagae


Se eu soubesse contar histórias, a minha começaria assim: no tempo em que o tamanduá-mirim não usava colete, o xenartro, quer dizer, o estranho bicudo e desdentado chegou com uma novidade do tamanho dos seus braços para todo mundo ouvir, fosse sapo ou pássaro, fosse bicho de quatro patas ou não, todos iam ficar sabendo! Ah, se iam... E de olhos arregalados prestando muita atenção, até onça pintada, quer dizer, onça-pantera sem pintas veio ouvir, chegando alerta, chegando por trás, como sempre, num espanto só seu!


Qual seria a novidade, por que tanto falatório, o que está acontecendo bem ali, NO FIM DA FILA??? No livro de imagem de Marcelo Pimentel (Rovelle, 2011), os animais seguem calados, sem dizer uma só palavra, em uma expressiva procissão: suaçutinga, capivara, jabiru, jabuti, jacaré, cobra-coral-sem-cor, macaco, tatu, todos eles vão passando como sombras debaixo de um sol abrasante e lá na frente, quem diria, vão ganhando na pele e no pelo, na carapaça e nas asas, uma bela estamparia.


É o curupira quem brinca nos desenhos e dá cara nova, vida nova
aos animais da mata... A fila nunca termina, transforma-se em um desfile atravessando dia e noite adentro – e o sol, quando ressurge, ergue-se lisonjeiro e vermelho. É uma festa e um espanto para os bichos, vendo-se tão peculiares e bem vestidos, cada qual no seu padrão, com um motivo tão brasileiro. Mas...
toda história tem um ‘mas’, uma coisa aconteceu e aconteceu mesmo fazendo todos abrirem o bico, reclamarem com aquele ilustrador gaiteiro.

Quer saber?


Este é o terceiro livro de imagem brasileiro com uma narração espacial, após  
Ida e volta, de Juarez Machado (1976), e Outra vez, de Angela Lago (1984), com uma estrutura verdadeiramente circular que perpassa as páginas e a capa do livro. Marcelo Pimentel brincou também com elementos indígenas diversos, sem uma preocupação etnográfica específica, revelando um pedaço de nossa alma e nossa fauna. Ao procurar o fim da fila, o leitor pode imaginar quantas fábulas quiser, em cada gesto, em cada fala, em cada piada que está para ser contada...
Sabe a última do macaco?
E o que deu no tucano,
quando deu com o bico
no espelho?

Pois, agora, eu vou contar! No tempo em que caçadores não havia e o curupira ficava o dia inteiro sentado, folgado, debaixo da sombra de uma mangueira, um tamanduá-mirim chegou com uma novidade para todo mundo ouvir...

Um comentário:

  1. Muito obrigado, Peter, pelo generoso e inspiradíssimo texto!!
    Fico muito feliz com essa leitura da obra num espaço tão prestigiado. Abs.

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