13 de junho de 2009

Não vem ao caso aqui desvendar todas as imagens, mal chegados que estamos do meio da narrativa — que intencionalmente não contei, não poderia contar sob o risco de congelar uma idéia, quando o trabalho de Odilon Moraes ao editar as seqüências foi exatamente colocá-las, pluralmente, em movimento. É um trabalho de correlacionar leituras, porque os pontos de vistas estão descentralizados com sua variedade. Nada, além das palavras, ou nem mesmo elas e daí a majestade da crônica de Mário de Andrade, encontra-se fixo.

Algo que venho me perguntando, nos últimos anos, é se uma ilustração poderia mimetizar o movimento de câmera lenta. Esse é um efeito de sentido que talvez seja alcançado pelas contaminações palavra&imagem, a despeito de uma antiga preocupação, entre os artistas quinhentistas,
ou muito antes, em fazer da pintura, arte da representação espacial, romper seu congelamento e passar à narração, como forma de expressão do tempo. Nesse caso, compreendo que uma imagem pode verbalizar-se com a ajuda de seu leitor, reconhecendo e colhendo, na tela, os índices de que algo se sucedeu antes, em breves instantes, ou encontra-se prestes a acontecer. Com imagens em seqüência, ainda que estáticas, o efeito é mais facilmente projetado.

Muitos pintores do passado só conheciam o teatro como uma representação que tomava cor, corpo e movimento. Mesmo os impressionistas e os futuristas ambicionaram desenvoltura e velocidade no espaço pictórico e gráfico. Só mesmo a cineMATOgrafia mais contemporânea traria a dilatação do tempo, tornando-o plástico, distorcendo-o. E, na página 10, se não encontro a câmera lenta, vejo ao menos a lentidão somada à repetição de uma cena recorrente à memória do autor-personagem-narrador e procuro socorro verbal, numa página antes — “assim principiou uma camaradagem que durou meu mês de férias” — e a imagem que segue suficientemente tem manchas, personagens sem rosto, guardados numa memória visual simulada pelo ilustrador. Contudo, o que seria provável aqui, teria também alguma extensão a todo o livro — e a hipótese em mãos é frágil.

O livro ilustrado de Odilon Moraes traz outros enigmas mais palpáveis, como dois jogos de páginas abertas (6-7 e 20-21), simetricamente opostas no suporte, como pontuando o ritmo visual e, em relação à narrativa da crônica, com uma função musical, de certo, para arejar um contraponto. Revelam uns significados? E o final: tendo o leitor-ilustrador acompanhado os passos de Mário-personagem, com olhos cineMATOgráficos sempre, por fim, assume totalmente o seu ponto de vista, num jogo com a memória do outro, onisciência, reflexo poético que o suporte materializa, ou quantas categorias mais que desejarmos inventar para rever o zoom sobre uma cena antes vista ou apenas sonhada pelos afetos do escritor-narrador, do autor-personagem, do ilustrador ou do leitor (qual deles, agora, não importa). Eis a posteridade de uma imagem — para celebrar. O Benedito é!

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