1 de fevereiro de 2021

platero y peter


Lá vai uma lembrança, lá vai também um livro emprestado a mim que não devolvi e reencontro tudo pensando em uma palestra, lá vão a passos o Platerinho, uma tradução improvisada e eu, no Capítulo CXXV – A FÁBULA: 

“Desde criança, Platero, tive um horror instintivo ao apólogo, como à igreja, à Guarda Civil, aos toureiros e o acordeão. Os pobres animais, à força de falar tolices pela boca dos fabulistas, me pareciam tão odiosos como no silêncio dos armários fedorentos da aula de história natural. Cada palavra que falavam, digo, que falava um homem áspero, amarelo e cheio de catarro, me parecia um olho de vidro, uma asa falsa de arame, um vaso com flores de plástico. Depois, quando vi nos circos de Huelva e de Sevilha animais amestrados, a fábula, que havia deixado para trás, como os planos e os prêmios, no esquecimento do que era a escola, voltou então como um pesadelo desagradável de minha adolescência. 

“Homem já, Platero, um fabulista, Jean de La Fontaine, de quem você tanto me ouviu contar e repetir, me reconciliou com os animais falantes; e um verso dele às vezes me soava a verdadeira voz da gralha, da pomba ou da cabra. Porém sempre ficava sem ler a moral, esse rabo seco, essa cinza, essa pena caída no final. 

“É claro, Platero, você não é um burro no sentido corriqueiro da palavra, nem segundo a definição do Dicionário da Academia Espanhola. Você é, sim, como eu sei e o compreendo. Você tem sua linguagem e não a minha, como não tenho eu a língua da rosa nem aquela do rouxinol. Portanto, não tema que eu nunca irei, como se pode pensar em meus livros, fazer de você um herói charlatão de uma pequena fábula, misturando sua expressão sonora com a voz de uma raposa ou de um pintassilgo, para depois deduzir, em letras inclinadas, a moral fria e presunçosa do apólogo. Não, Platero...”

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