rop epter og saa’e
Alguns livros nos fazem rir – qualidade capaz de levar o leitor a virar e revirar páginas pra frente e pra trás, buscando repetir a experiência de ter encontrado inesperadamente um bocado de alegria. E, às vezes, rio, sei, tenho certeza: o riso desperta do próprio medo, quando, num repente... o medo passa! E essa qualidade para lidar com o riso tem o livro-brinquedo QUE BICHO DOIDO!, de Enéas Guerra (Solisluna, 2012), para crianças pequenas, bem pequenas, que têm medo de bichos de orelhas pontudas, bicos, focinhos, bigodes, olhos fixos que emergem do território dos sonhos e assombros, entre os antigos mitos e os tutus que papam gente.
Ora, um livro é comercialmente classificado como livro-brinquedo quando combina e explora uma materialidade híbrida com acessórios táteis, dobraduras, movimentos etc. para “distrair” os leitores. Não é nesse sentido que apresento este trabalho, mas vou pensando em toda sua forma, função e conteúdo... Se o folclore é um manancial de brinquedos falados, enquanto gêneros primários da criação verbal, por que não pensar o livro em si como um brinquedo de papel ao promover a aproximação entre gerações, através do mimo e da articulação dos primeiros sons? Pois isso Enéas Guerra faz.
O autor, partindo de um mesmo contorno ou a forma repetida de uma máscara, experimenta grafismos e cores que multiplicam esses bichos, bichos doidos, bichos reais, bichos bem brasileiros e bichos imaginários. Trabalha variações a um mesmo “tema” e, ao mesmo tempo, improvisa e empresta vozes a cada criatura. São onomatopeias, sim, retiradas do vocabulário comum das brincadeiras familiares de au-au, miau, quiquiqui, das histórias em quadrinhos (grrrr) e outros sons inventados – iau iau iau, cronf cronf, ugli ugli ugli de uma maneira bastante livre, engraçada, que os bichos feios logo se transformam... em divertidos pesadelos!
QUE BICHO DOIDO! não transporta uma história ou mesmo uma parlenda; não é narrativa, nem poesia. Não obedece a menor sintaxe verbal, qual seja ela. É, antes de mais nada, uma obra gutural, foneticista, carregada de elementos suprassegmentais da fala humana... e anda no ritmo da parataxe visual, das trocas e combinações possíveis. É um livro que joga com a imaginação e as pequeninas mãos dos leitores. Muito bom!
12 de setembro de 2013
6 de setembro de 2013
o esboço do pensamento
setembro na mesa 1
É a palavra sobre a imagem no livro ilustrado para crianças que encontramos em TRAÇO E PROSA: entrevistas com ilustradores de livros infantojuvenis por Odilon Moraes, Rona Hanning e Maurício Paraguassu (Cosac Naify, 2012), recontando uma história íntima da literatura infantil brasileira sob a perspectiva que mais atende ao interesse de leitores entre adultos e crianças: a ilustração, em primeira pessoa, em primeiro plano, nas conversas registradas dentro dos ateliês de doze grandes nomes.
Eliardo França, Rui de Oliveira, Eva Furnari, Alcy Linares, Ricardo Azevedo, Helena Alexandrino, Nelson Cruz, Marilda Castanha, Graça Lima, Mariana Massarani, Roger Mello e Angela Lago delineiam a ambição do livro ilustrado como uma linguagem única em nosso cenário editorial, abrindo os bastidores de seus sonhos e todo o esforço criativo para estabelecer laços de comunicação e afetos com os leitores. “Para o preparo das entrevistas”, afirmam os organizadores, “consultamos a bibliografia existente sobre o assunto. Apesar de escassa, achamos alguns temas comuns nessas fontes, o que nos levou a dividir em três os tipos de abordagem que seriam de grande ajuda para nosso projeto. Elas foram denominadas por nós de histórico-sociológica, pedagógica e formalista. Essa classificação, mesmo não sendo completa, demonstrou-se suficientemente abrangente e útil para o propósito de definir as perguntas para as entrevistas.” Dentre os muitos desafios de recorte e método, os autores necessitaram eleger a geografia editorialmente demarcada por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e o curso da década de 1970 aos dias atuais, no generoso diálogo com quatro representantes de cada estado.
Em quase 250 páginas de espontaneidade, riso fácil, segredos, formação profissional, vidas envolvidas com livros e imagens, TRAÇO E PROSA oferece um panorama compreensivo a respeito da dinâmica de processos artísticos que, muitas vezes, ultrapassa o depoimento personalíssimo e vai esboçando ordens mais gerais da produção contemporânea. Um exemplo instigante que lá encontramos é o tema da autoria em três diferentes articulações – quando um autor escreve, depois outro ilustra; a parceria entre escritor e ilustrador; e, por fim, escritor-ilustrador como um só criador –, que implicam nas relações convencionais, contratuais e contextuais da leitura que se transportam para dentro livro ilustrado para crianças. Ora, se o conjunto das entrevistas não responde por uma formulação teórica única, positivamente enseja ser o objeto de análise e reflexão junto a muitos pesquisadores de editoração, teoria literária, pedagogia ou crítica genética, interessados em rever o estatuto da literatura infantil brasileira, no reconhecer a transformação da leitura entre palavras e imagens, redesenhando o conceito sobre o que é livro ilustrado para crianças.
É a palavra sobre a imagem no livro ilustrado para crianças que encontramos em TRAÇO E PROSA: entrevistas com ilustradores de livros infantojuvenis por Odilon Moraes, Rona Hanning e Maurício Paraguassu (Cosac Naify, 2012), recontando uma história íntima da literatura infantil brasileira sob a perspectiva que mais atende ao interesse de leitores entre adultos e crianças: a ilustração, em primeira pessoa, em primeiro plano, nas conversas registradas dentro dos ateliês de doze grandes nomes.
Eliardo França, Rui de Oliveira, Eva Furnari, Alcy Linares, Ricardo Azevedo, Helena Alexandrino, Nelson Cruz, Marilda Castanha, Graça Lima, Mariana Massarani, Roger Mello e Angela Lago delineiam a ambição do livro ilustrado como uma linguagem única em nosso cenário editorial, abrindo os bastidores de seus sonhos e todo o esforço criativo para estabelecer laços de comunicação e afetos com os leitores. “Para o preparo das entrevistas”, afirmam os organizadores, “consultamos a bibliografia existente sobre o assunto. Apesar de escassa, achamos alguns temas comuns nessas fontes, o que nos levou a dividir em três os tipos de abordagem que seriam de grande ajuda para nosso projeto. Elas foram denominadas por nós de histórico-sociológica, pedagógica e formalista. Essa classificação, mesmo não sendo completa, demonstrou-se suficientemente abrangente e útil para o propósito de definir as perguntas para as entrevistas.” Dentre os muitos desafios de recorte e método, os autores necessitaram eleger a geografia editorialmente demarcada por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e o curso da década de 1970 aos dias atuais, no generoso diálogo com quatro representantes de cada estado.
Em quase 250 páginas de espontaneidade, riso fácil, segredos, formação profissional, vidas envolvidas com livros e imagens, TRAÇO E PROSA oferece um panorama compreensivo a respeito da dinâmica de processos artísticos que, muitas vezes, ultrapassa o depoimento personalíssimo e vai esboçando ordens mais gerais da produção contemporânea. Um exemplo instigante que lá encontramos é o tema da autoria em três diferentes articulações – quando um autor escreve, depois outro ilustra; a parceria entre escritor e ilustrador; e, por fim, escritor-ilustrador como um só criador –, que implicam nas relações convencionais, contratuais e contextuais da leitura que se transportam para dentro livro ilustrado para crianças. Ora, se o conjunto das entrevistas não responde por uma formulação teórica única, positivamente enseja ser o objeto de análise e reflexão junto a muitos pesquisadores de editoração, teoria literária, pedagogia ou crítica genética, interessados em rever o estatuto da literatura infantil brasileira, no reconhecer a transformação da leitura entre palavras e imagens, redesenhando o conceito sobre o que é livro ilustrado para crianças.
Dobras da Leitura O'Blog tem [+]
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Graça Lima,
Helena Alexandrino,
Mariana Massarani,
Marilda Castanha,
Nelson Cruz,
Odilon Moraes,
Roger Mello,
Rui de Oliveira,
Vitrine de Estudos
interrogação é só um guarda-chuva fechado
setembro na mesa 2
Não gosto muito dos livros que me fazem tropeçar nos parágrafos da introdução. Ainda que discordar dos autores seja um direito próprio, não gosto de desistir das leituras que me proponho. Não gosto de iniciar comentários com frases negativas ou más impressões... Só que não, tudo isso, um dia, acontece: que nem olhar no espelho e desgostar do desalinho dos cabelos ou do comprimento dos dedos. PARA LER O LIVRO ILUSTRADO, de Sophie Van der Linden (Cosac Naify, 2011), tem a tradução de Dorothée de Bruchard e quebras sistemáticas de coesão textual: leio a proposição de uma ideia e não vejo arremate à frente, uma dúvida se insinua e instala-se em minha mente, mas não encontro uma resposta adiante. O que acontece?
Por que parece tão natural a leitura do livro ilustrado? É uma opinião ou uma pergunta retórica da autora, apenas? Até quando vamos esbanjar elogios – pelas imagens notáveis, pelas narrativas cativantes – e acentuar certa inibição nossa com o aspecto paradoxal do livro ilustrado para crianças que desafia competências de qualquer idade? Será que passou debaixo do meu nariz uma ironia sem que a pudesse realmente notar? Afinal, não são simpáticos os franceses porque são precisamente franceses, como ensinou Françoise Sagan? Por que, entre os monstros que habitam os livros, o pior talvez seja o desprezo pelo leitor que ainda me mete medo? Devo virar a página?
As imagens têm alcance universal? Seriam realmente recebidas e interpretáveis para todos? As imagens não se prendem às referências locais e históricas, aos modos de representar as coisas para aqueles que estabelecem uma certa ordem e convenção? Que idealização é essa que transpõe imagens além de fronteiras culturais e transforma o signo visual em totem?
Será que perdi o humor sobre alguma ideia? Estou jogando metáforas aos portos? Sabendo Walter Crane, em 1896, dispensava críticas ao estilo esfumado das xilogravuras de Gustave Doré, não deveria estranhar que venha Van der Linden, em 2006, ignorar os coloridos pincéis em aquarela de Arthur Rackham? Existe esquecimento estratégico a respeito de Edmund Dulac, considerado inglês demais em seus modos para ser lembrando como um artista e ilustrador francês? Por que sinto tanto essas faltas e mais outras, ao ver tão bela e extensa galeria de reproduções de capas e páginas abertas de livros ilustrados para crianças francesas? Quero demais, pois me faltou acesso aos exemplos e às referências que este estudo traz aos professores brasileiros?
Quem aí abre uma nova interrogação?
Não gosto muito dos livros que me fazem tropeçar nos parágrafos da introdução. Ainda que discordar dos autores seja um direito próprio, não gosto de desistir das leituras que me proponho. Não gosto de iniciar comentários com frases negativas ou más impressões... Só que não, tudo isso, um dia, acontece: que nem olhar no espelho e desgostar do desalinho dos cabelos ou do comprimento dos dedos. PARA LER O LIVRO ILUSTRADO, de Sophie Van der Linden (Cosac Naify, 2011), tem a tradução de Dorothée de Bruchard e quebras sistemáticas de coesão textual: leio a proposição de uma ideia e não vejo arremate à frente, uma dúvida se insinua e instala-se em minha mente, mas não encontro uma resposta adiante. O que acontece?
Por que parece tão natural a leitura do livro ilustrado? É uma opinião ou uma pergunta retórica da autora, apenas? Até quando vamos esbanjar elogios – pelas imagens notáveis, pelas narrativas cativantes – e acentuar certa inibição nossa com o aspecto paradoxal do livro ilustrado para crianças que desafia competências de qualquer idade? Será que passou debaixo do meu nariz uma ironia sem que a pudesse realmente notar? Afinal, não são simpáticos os franceses porque são precisamente franceses, como ensinou Françoise Sagan? Por que, entre os monstros que habitam os livros, o pior talvez seja o desprezo pelo leitor que ainda me mete medo? Devo virar a página?
As imagens têm alcance universal? Seriam realmente recebidas e interpretáveis para todos? As imagens não se prendem às referências locais e históricas, aos modos de representar as coisas para aqueles que estabelecem uma certa ordem e convenção? Que idealização é essa que transpõe imagens além de fronteiras culturais e transforma o signo visual em totem?
Será que perdi o humor sobre alguma ideia? Estou jogando metáforas aos portos? Sabendo Walter Crane, em 1896, dispensava críticas ao estilo esfumado das xilogravuras de Gustave Doré, não deveria estranhar que venha Van der Linden, em 2006, ignorar os coloridos pincéis em aquarela de Arthur Rackham? Existe esquecimento estratégico a respeito de Edmund Dulac, considerado inglês demais em seus modos para ser lembrando como um artista e ilustrador francês? Por que sinto tanto essas faltas e mais outras, ao ver tão bela e extensa galeria de reproduções de capas e páginas abertas de livros ilustrados para crianças francesas? Quero demais, pois me faltou acesso aos exemplos e às referências que este estudo traz aos professores brasileiros?
Quem aí abre uma nova interrogação?
enquadramento, engendramento
setembro na mesa 3
Como delimitar o campo literário com as fronteiras móveis entre o livro ilustrado para crianças e outros que contém imagem? Sophie Van der Linden (vide acima) apresenta suscintamente diferentes propostas editoriais e, entre elas, as histórias em quadrinhos: “Forma de expressão caracterizada não pela presença de quadrinhos e balões, e sim pela articulação de imagens solidárias. A organização da página corresponde – majoritariamente – a uma disposição compartimentada, isto é, os quadrinhos se encontram justapostos em vários níveis.” E, abrindo o volume CLÁSSICOS em HQ, organizado pela editora Renata Farhat Borges (Peirópolis, 2013), vamos lembrando que essas narrativas ou novelas gráficas são verdadeiramente agenciadas pelos cortes ou entrequadros que ajudam a definir mais que a plasticidade do espaço visual, uma vez que correspondem a um “lugar próprio da linguagem dos quadrinhos onde reside toda a magia do tempo e a imaginação do leitor”.
Comemorando a publicação de dez projetos em HQ, desde 2005, Renata Farhat Borges mostra o caminho venturoso da adaptação de clássicos como leitura e traduções possíveis das obras originais. Portanto, passagem de um sistema semiótico – como é a literatura – para um novo sistema semiótico, uma construção articulada por acréscimo e permuta com o código visual. E é interessante notar como estudiosos e teóricos ajudaram a desenvolver para as histórias em quadrinhos uma metalinguagem crítica, suficientemente clara, algo que a literatura para crianças e jovens ainda não alcançou. Reconhecendo a HQ como uma linguagem, também se reconhecem seu estatuto artístico e instrumental, e suas estruturas formais particulares e partilhadas com outras produções culturais. Enfim, um vasto cenário aí se descortina...
Ao reunir artigos de caráter teórico sobre a história e o processo de quadrinização de textos literários no Brasil, entrevistas com seus criadores, trechos de obras já publicadas e dos títulos em produção pela Peiropólis, CLÁSSICOS em HQ, com uma tiragem limitada a 1.500 exemplares impressos e distribuição gratuita, funciona duplamente como material instrucional na formação de mediadores de leitura e um inteligente catálogo promocional que antecipa os futuros lançamentos.
*
P.S. Clássicos em HQ também está disponível para download.
Como delimitar o campo literário com as fronteiras móveis entre o livro ilustrado para crianças e outros que contém imagem? Sophie Van der Linden (vide acima) apresenta suscintamente diferentes propostas editoriais e, entre elas, as histórias em quadrinhos: “Forma de expressão caracterizada não pela presença de quadrinhos e balões, e sim pela articulação de imagens solidárias. A organização da página corresponde – majoritariamente – a uma disposição compartimentada, isto é, os quadrinhos se encontram justapostos em vários níveis.” E, abrindo o volume CLÁSSICOS em HQ, organizado pela editora Renata Farhat Borges (Peirópolis, 2013), vamos lembrando que essas narrativas ou novelas gráficas são verdadeiramente agenciadas pelos cortes ou entrequadros que ajudam a definir mais que a plasticidade do espaço visual, uma vez que correspondem a um “lugar próprio da linguagem dos quadrinhos onde reside toda a magia do tempo e a imaginação do leitor”.
Comemorando a publicação de dez projetos em HQ, desde 2005, Renata Farhat Borges mostra o caminho venturoso da adaptação de clássicos como leitura e traduções possíveis das obras originais. Portanto, passagem de um sistema semiótico – como é a literatura – para um novo sistema semiótico, uma construção articulada por acréscimo e permuta com o código visual. E é interessante notar como estudiosos e teóricos ajudaram a desenvolver para as histórias em quadrinhos uma metalinguagem crítica, suficientemente clara, algo que a literatura para crianças e jovens ainda não alcançou. Reconhecendo a HQ como uma linguagem, também se reconhecem seu estatuto artístico e instrumental, e suas estruturas formais particulares e partilhadas com outras produções culturais. Enfim, um vasto cenário aí se descortina...
Ao reunir artigos de caráter teórico sobre a história e o processo de quadrinização de textos literários no Brasil, entrevistas com seus criadores, trechos de obras já publicadas e dos títulos em produção pela Peiropólis, CLÁSSICOS em HQ, com uma tiragem limitada a 1.500 exemplares impressos e distribuição gratuita, funciona duplamente como material instrucional na formação de mediadores de leitura e um inteligente catálogo promocional que antecipa os futuros lançamentos.
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P.S. Clássicos em HQ também está disponível para download.
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