dobradaleitura | Imagine essa tarde quente, o torpor azul da tarde, num filme que assim comece... Você até mesmo pensa estar no banco detrás do motorista. Pelo espelho retrovisor, os olhos dele olham você — e você procura desviar a atenção pela estrada em perspectiva e encontra uma casinha no alto de uma colina distante, à esquerda... Porém encontra rolos brancos de fumaça subindo pelo capô, a água do radiador forma realmente bonitas nuvens que o vento evapora. Mas isso não é um bom sinal!
O tiozinho deve parar o automóvel e você compreende, logo que abre o livro, que o seu lugar nesta aventura é mesmo uma poltrona de espectador. As imagens de Javier Sáez Castán e Manuel Marsol vão nos conduzindo por planos abertos, sob o céu iluminado, plano gerais, médios, aproximados... até o personagem adentrar o esperado/inesperado Museu, já denunciado pelo título do livro publicado pela editora Barbante (2024). O personagem constantemente nos dá as costas e isso faz com que assumamos o seu ponto de vista, movendo-nos com seus pés, como numa sequência de suspense. Se, através de uma janela, ele vê o quadro “Cathy com papagaio”, nós igualmente vemos a tela e observamos seus detalhes.
Ler este livro de imagem narrativo talvez seja com ler aquele conto de Heiner Muller, quando se propõe a fazer seu próprio retoque em Hitchcock ou Shakespeare. Imagem que descreve a imagem, alusão a tantos mestres da pintura e do cinema (afinal, quais os limites entre o quadro estático que aspira a ilusão de movimento e a arte do movimento que se alimenta da tradição pictórica?); todo autorretrato resulta ser traiçoeiro, impermanente... há alguém por trás das cortinas, corredores que nos confundem e, sobretudo, um colorido que satura e cega. Você pode dizer que as figuras estão vivas fora dos quadros, mas e daí? Sei que o problema não é sonhar, certamente. É apenas encontrar a saída.
@jsaezcastan
@manuelmarsol
@editorabarbante
🧡 #quemtemquindimtem
Nenhum comentário:
Postar um comentário