26 de abril de 2012

anunciam as sereias

peter o’sagae*


Há um canto de sereia entre as montanhas: em águas de sonho, querer o amado que vai distante... Era assim o mar dentro dos pensamentos de uma menina que não conhecia o mar. Ela adorava colecionar cartões postais de seu litorâneo amor, guardar as paisagens em caixas e gavetas. Mais que tudo, cheiro gosto barulho beleza cor do mar, a menina queria conhecer os cocos nos coqueiros.

Como podia uma árvore plantada na areia? E tão comprida e tão fina, segurando frutos grandes e esféricos? Por que o coco variava de cores, ora esverdeadas, ora amareladas, oras escuras?

Um dia, oh: a surpresa: um passeio a uma lagoa de água doce. Não era exatamente o mar, mas havia lá praia com areia e coco. O coco, um grande e bem verde, é a lembrança que decide trazer para casa — viajou com ele, o caminho inteiro, no colo. Depois, o coco foi tudo para ela: mesa de apoio, almofada, globo terrestre, pião, bola de futebol... no entanto, um coco assim não é para sempre e, um dia...


COM A MARÉ E O SONHO, de Ninfa Parreiras com ilustrações de André Neves (RHJ, 2006), é um conto de suavidades, com mineirações tão próprias dos escritores que nasceram entre montanhas. Bartolomeu Campos Queirós, como nenhum outro, já havia confessado as amarrações de ser menino e conter uma ideia sobre a imensidão: « Eu crescia marinheiro em terra seca onde antes estava o mar, carregando o amor entre pálpebras — conchas guardando sonhos. » (AH! MAR..., 1985). Agora ele vem e escreve um bem na quarta capa, em um diálogo de navegar: « Ninfa Parreiras nos convida a buscar, pelo silêncio, o sal que mora em nós temperando nossas cheias e vazantes. Mas, para tanto, há que ter coragem para explorar os mistérios. »

Às bordas do texto e do sonho, André Neves cria uma atmosfera visual coerente às sugestões da narrativa — muito mais que "desenhar" ao pé da letra. Assim, a relação palavra&imagem não é feita de simples complementariedade, reconhecimento por identificação ou reforço de sentido: reinam no livro homologias de figuras linguísticas e plásticas. Do coco-barco nas ondas em cor de rosa, detalhes bem bolados, bem colados que não foram previstos no plano verbal, mostram-se ludicamente para o leitor: um guarda-chuva com peixinhos listrados pendurados a barbante, estrelas-do-mar espalhadas pelo chão — e, numa visão surrealista — gavetas cheias de guardados que se abrem a partir da parede e, dentro delas, coqueiros belamente plantados.

* Extraído de Dobras da Leitura 37: setembro de 2006.

4 de abril de 2012

um ilustrador chamado andersen

peter o.sagae


Juntamente aos poemas de Gláucia de Souza, o livro DO ALTO DO MEU CHAPÉU (Projeto, 2011) revela um aspecto pouco conhecido da personalidade incomum de Hans Christian Andersen. Quem imaginaria passar uma tarde com o delicado escritor ouvindo suas histórias, enquanto ele, tesoura na mão, muito hábil e preciso, seguisse o fio tímido da própria voz, recortando papéis dobrados duas, quatro, oito vezes... até que uma inesperada figura saltasse simetricamente diante dos olhos de grandes e pequenos, atentos?


Pois é sobre esse canteiro de imagens de papel recortado (chamadas papercuts) que a fantasia de Gláucia de Souza se debruçou – e ela inventa, acrobata, imitar os movimentos de mímicos e bailarinos que pertencem, ora aos desenhos, ora os sonhos do escritor dinamarquês. São versos simples que pulam, desconcertantes, reconsertados pela rima, confortáveis no humor, no chiste e nos disparates.


Destaque, destaque para o poema narrativo “Um tonto e outro tanto”, mais os instantes flagrados em leveza e miudezas “Para viajar em cisne” e “Em cada frasco”, como a vida de Andersen sempre sugere: um espanto, um minuto, um sopro frio que vem do mar, gnomos, um jardim que não estava em seu próprio mundo.


2 de abril de 2012

Andersen, um dinamarquês

Dobras da Leitura recebeu...


Duas excelentes publicações trazem novamente Andersen para minha estante: textos integrais em traduções literárias realizadas diretamente do dinamarquês!


O PERSEVERANTE SOLDADINHO DE CHUMBO, com o cuidadoso texto de Tabajara Ruas e as ilustrações de Jandira Lorenz (Barca dos Livros e Peirópolis, 2011). O projeto gráfico cria um livro cheio de molduras, ora caixa de brinquedos, ora uma caixa como os palcos de teatro, encenando a primeira história de Hans Christian: um conto de 1838, a respeito de um apaixonado herói e da bailarina que o soldadinho imagina ser como ele, pois sempre vê a leve sílfide equilibrando-se em uma única perna na ponta do pé. Mas um vento maldoso, ou seria a artimanha de um duende enciumado, sopra a tragédia entre os dois corações...


Com a seleção e aquarelas de Lisbeth Zwerger, o volume OS PEQUENOS VERDES e outras histórias apresenta onze contos na tradução de Kristin Lie Garrubo (Berlendis & Vertecchia, 2010). É uma generosa introdução ao melancólico e suavemente colorido universo de Andersen, onde habitam João Pestana, Polergarzinha, A menina dos fósforos, o rouxinol que encantou o imperador da China e tantos outros personagens mágicos, comoventes, eternos em nossa própria afeição...


Andersen em cordel

Dobras da Leitura recebeu...


João Bosco de Bezerra Bonfim reconta O SOLDADINHO DE CHUMBO EM CORDEL e A PRINCESA E A ERVILHA EM CORDEL, sextilhas ilustradas por Laerte Silvino (Editora Prumo, 2009 e 2011).


dia de ervilhas

Dobras da Leitura recebeu...


Irreverência comandada por Sylvia Orthof: ERVILINA E O PRINCÊS, ou DEU A LOUCA EM ERVILINA é um reconto de pernas pro ar, publicado originalmente em 1986 com ilustrações da própria autora, agora, com colagens de Laura Castilhos (Editora Projeto, 2009). Princesas delicadas talvez já não existam... apenas umas sirigaitas que saem por aí, aos pulinhos... Quem disse que o príncipe vai conseguir casar?


Pequenas Grandes Histórias é uma coleção bem humorada de recontos de histórias bem conhecidas. Com bastante movimento, Eva Montanari ilustrou A PRINCESA E A ERVILHA, em uma versão feita por Roberto Piumini e traduzida por Daniela Bunn (Positivo, 2010). Principalmente na imagem, a história ganha um acréscimo no desfecho. Será que alguém teria roubado a ervilha do museu real?


Simone Bibian decidiu subir as cortinas e mostrar o que aconteceu por trás das cenas do conto A PRINCESA E A ERVILHA, com ajuda dos desenhos de Sandra Ronca (Scortecci, 2011). Enquanto o desastrado lacaio procura o grão de ervilha que deixou cair no chão do museu, Gertrudes, a criada do castelo, narra os fatos enquanto varre a sujeira para debaixo do tapete. Pelo menos, enquanto não é interrompida...