Peter O.ô Sagae
Era uma vez uma casa... Assim começa o premiado livro de Carolina Moreyra e Odilon Moraes. Uma casa onde toda a família poderia viver feliz... no entanto um dia se afogou e tornou-se vazia. Os olhos da mãe encheram-se de peixes. Os pés do pai levaram-no embora. O tempo passa, evidentemente que passa, como as páginas de um livro, e o menino descobre como é sentir-se em casa e caminhar. Entre duas casas. LÁ E AQUI #pequenazahar (2015)
Contar uma história ou uma experiência é escolher um ponto de vista – e o ponto de vista do menino para relatar a separação dos pais é a estratégia do discurso que empresta leveza a esse texto, jogando palavra e imagem entre metáforas, metonímias e momentos de silêncio. Inicialmente, temos o tempo do “era uma vez” permitindo que a casa e a extensão do jardim (com sapos, lago cheio de peixes, flores, dois cachorros e uma árvore habitada por passarinhos) revelem, por fora, o otimismo da vida lá dentro.
É este deslocamento do lugar do narrador que se torna índice do deslocamento que o personagem vivenciar no mundo narrado... No momento em que o conflito se instala, a realidade é invadida por uma percepção quase mágica: é a chuva que não cessa, o afogamento, o fim do jardim, a fuga de todos os animais. Os peixinhos que viviam no lago, conta o narrador, foram morar nos olhos da mãe... mas onde se fixam os olhos do menino? De onde vinha tamanha chuva?
A velha casa já não basta, necessita ser abandonada. Será preciso que o tempo passe e novas páginas surjam pelo caminho para escrever uma nova história. A narração verbal é uma confissão em pequenas frases, quase soltas, quase nada, apenas o essencial. Para cada leitor preencher os vazios.
A verdade é que a casa do mãe e a casa da mãe são equidistantes em conforto e afetos também. Quando se está aqui em uma casa, sempre haverá outra. Lá.
O livro LÁ E AQUI foi extremamente celebrado neste ano, recebendo o Prêmio FNLIJ – O Melhor para Criança 2016, indicado entre os 30 Melhores Livros da Revista Crescer e selecionado para o acervo de literatura infantil brasileira da Internationale Jugendbibliothek – IJB (Munique/Alemanha), através da lista THE WHITE RAVENS, publicada em outubro. Por fim, conquistou o 2o lugar da categoria Livro Infantil do 58o Prêmio Jabuti, concedido pela CBL.
25 de novembro de 2016
30 de setembro de 2016
sair pra luta, com doçura
peter O.ô sagae
Há tempos um sambista ensinou que é preciso mudar a conduta, sair pra luta, quando se quer se aprumar... Paula Browne desperta no maior alto-astral para contar O DESFILE DA ZEBRA – e ela, que parece ter nascido vestida, não perde tempo e faz a lista de todas as tarefas para nada sair fora do riscado! Buscar flores, arrumar e espalhar perfume de lavanda pela casa, passar as roupas com cuidado... Logo chegam a girafa, o jacaré, o alce e o elefante. Qual deles será o mais elegante? #editorarocco (2012) #literaturainfantil #paulabrowne
Herdeira das histórias rimadas, a autora carioca bola e rebola versos com a zebra que não se prende a um padrão único ou repetido das suas listras. Nem da vida! E resolve fazer um desfile, brincando com o preto e o branco num balanço legal com bolas, bolinhas, xadrez, caracóis e outras estampas para agitar o dia a dia. Porém, nem tudo é folia na vida da artista!
A lista dos afazeres que a zebra faz quando começa o dia, também assinala a progressão do tempo da narrativa conforme as tarefas vão sendo vencidas e riscadas. Esse expediente alerta o pequeno leitor para a necessidade de organizar-se internamente, pensando, e diariamente, fazendo...
É preciso dividir as horas para trabalhar,
Há tempos um sambista ensinou que é preciso mudar a conduta, sair pra luta, quando se quer se aprumar... Paula Browne desperta no maior alto-astral para contar O DESFILE DA ZEBRA – e ela, que parece ter nascido vestida, não perde tempo e faz a lista de todas as tarefas para nada sair fora do riscado! Buscar flores, arrumar e espalhar perfume de lavanda pela casa, passar as roupas com cuidado... Logo chegam a girafa, o jacaré, o alce e o elefante. Qual deles será o mais elegante? #editorarocco (2012) #literaturainfantil #paulabrowne
Herdeira das histórias rimadas, a autora carioca bola e rebola versos com a zebra que não se prende a um padrão único ou repetido das suas listras. Nem da vida! E resolve fazer um desfile, brincando com o preto e o branco num balanço legal com bolas, bolinhas, xadrez, caracóis e outras estampas para agitar o dia a dia. Porém, nem tudo é folia na vida da artista!
A lista dos afazeres que a zebra faz quando começa o dia, também assinala a progressão do tempo da narrativa conforme as tarefas vão sendo vencidas e riscadas. Esse expediente alerta o pequeno leitor para a necessidade de organizar-se internamente, pensando, e diariamente, fazendo...
É preciso dividir as horas para trabalhar,
tirar um momento para o relax e preparar-se
para curtir os amigos!
26 de setembro de 2016
enquanto está de boca aberta
peter O.ô sagae
Enquanto está de boca aberta é óbvio que... O LOBO NÃO MORDE! E você que é um leitor espertalhão nem precisa abrir o livro para saber o final da história. Porém, o que aprontam esses porquinhos ainda não estava escrito! Nem ilustrado! É preciso ver sem demora o que fazem esses três com um pobre lobo... diante do respeitável público de pequenos leitores. #emilygravett (2011) #editoracaramelo (2013) trad. Mila Dezan #literaturainfantil
Nas páginas-de-guarda, já começa a narrativa! A autora britânica Emily Gravet trabalhou por bons dois anos neste livro e o resultado inequívoco está na precisão e no frescor de cada movimento e das reações dos personagens.
A capacidade expressiva de cada porquinho vai percorrendo uma variada gama de sentimentos, como alegria, júbilo, despreocupação, orgulho, gabarolices... É notável que os três, unidos na brincadeira de capturar o lobo e colocá-lo no picadeiro debaixo do estalo do chicote, logo entram em uma competição entre si – o que se costuma chamar de “rivalidade fraternal”.
Talvez seja esse o ingrediente que faz a narrativa caminhar num clima de tensão crescente... Os porquinhos, afinal, vão inflando o próprio ego e ficando cada vez mais ousados nos números que desejam impor ao lobo selvagem!
Este é um livro ilustrado encenado, isto é, os personagens são desenhados sempre inteiros e passeiam pela página branca. Também eles falam livremente, como atores em um palco. Não é preciso qualquer cenário, um bom figurino e uma boa quantidade de objetos permitem a ação acontecer...
A estrutura narrativa é a lengalenga. Primeiro, o irmão mais velho faz o lobo se equilibrar em um banquinho. Depois, a irmã enfeita o lobo com um laço imenso. Por fim, o terceiro deseja montá-lo como um cavalo, pois O LOBO NÃO MORDE! É o título que serve de bordão e lá vão os três, trocando de posição e forçando a barra até que... confiantes demais, afirmam: podemos inclusive por a cabeça entre seus dentes afiados, porque lobo não... MORDE???
P.S. As ilustrações nessa postagem foram retiradas de variadas fontes, a partir da edição original publicada por Macmillan Children's Book, do Reino Unido (2011).
Enquanto está de boca aberta é óbvio que... O LOBO NÃO MORDE! E você que é um leitor espertalhão nem precisa abrir o livro para saber o final da história. Porém, o que aprontam esses porquinhos ainda não estava escrito! Nem ilustrado! É preciso ver sem demora o que fazem esses três com um pobre lobo... diante do respeitável público de pequenos leitores. #emilygravett (2011) #editoracaramelo (2013) trad. Mila Dezan #literaturainfantil
Nas páginas-de-guarda, já começa a narrativa! A autora britânica Emily Gravet trabalhou por bons dois anos neste livro e o resultado inequívoco está na precisão e no frescor de cada movimento e das reações dos personagens.
A capacidade expressiva de cada porquinho vai percorrendo uma variada gama de sentimentos, como alegria, júbilo, despreocupação, orgulho, gabarolices... É notável que os três, unidos na brincadeira de capturar o lobo e colocá-lo no picadeiro debaixo do estalo do chicote, logo entram em uma competição entre si – o que se costuma chamar de “rivalidade fraternal”.
Talvez seja esse o ingrediente que faz a narrativa caminhar num clima de tensão crescente... Os porquinhos, afinal, vão inflando o próprio ego e ficando cada vez mais ousados nos números que desejam impor ao lobo selvagem!
Este é um livro ilustrado encenado, isto é, os personagens são desenhados sempre inteiros e passeiam pela página branca. Também eles falam livremente, como atores em um palco. Não é preciso qualquer cenário, um bom figurino e uma boa quantidade de objetos permitem a ação acontecer...
A estrutura narrativa é a lengalenga. Primeiro, o irmão mais velho faz o lobo se equilibrar em um banquinho. Depois, a irmã enfeita o lobo com um laço imenso. Por fim, o terceiro deseja montá-lo como um cavalo, pois O LOBO NÃO MORDE! É o título que serve de bordão e lá vão os três, trocando de posição e forçando a barra até que... confiantes demais, afirmam: podemos inclusive por a cabeça entre seus dentes afiados, porque lobo não... MORDE???
P.S. As ilustrações nessa postagem foram retiradas de variadas fontes, a partir da edição original publicada por Macmillan Children's Book, do Reino Unido (2011).
23 de setembro de 2016
palavras ao Zoo
peter O.ô sagae
Com que se parecem todas as manchas no corpo da girafa? Com todos os encantos da zoologia, neste imagiário de Jesús Gabán! Com certeza, não se trata apenas de uma coleção de animais nem só mais um livro de figuras... mas é tudo isso e mais um jogo para leitores de muitas idades que gostem de ciência e poesia, descobrindo as famílias de cada espécie, as semelhanças nos hábitos e na roupagem, também nas cores e nos nomes, contudo as semelhanças nas diferenças. Este livro se chama ZOO #editoraprojeto (2012) #jesusgaban #imagiario #livrodeimagem
Quem eu vejo? Um rinoceronte indiano do século XVI ou Clara, a rinoceronte, com sua casca tão grosso e escura... E, como laços, à sua volta voam borboletas multicores! Paquiderme é bicho casca-grossa como uma escavadeira, um tatu-bola na carapaça sanfonada, um besouro rola-bosta e até mesmo um caranguejo.
O que esses pássaros têm em comum com um mandril, e o mandril com um palhaço, e o palhaço com a palhoça?
Notívagos!
Olhos são faróis e vaga-lumes, mas são olhos
os olhos da Caligo, a borboleta-coruja?
Aqui eu penso: a girafa é
uma arca ou o baobá dos animais...
Com que se parecem todas as manchas no corpo da girafa? Com todos os encantos da zoologia, neste imagiário de Jesús Gabán! Com certeza, não se trata apenas de uma coleção de animais nem só mais um livro de figuras... mas é tudo isso e mais um jogo para leitores de muitas idades que gostem de ciência e poesia, descobrindo as famílias de cada espécie, as semelhanças nos hábitos e na roupagem, também nas cores e nos nomes, contudo as semelhanças nas diferenças. Este livro se chama ZOO #editoraprojeto (2012) #jesusgaban #imagiario #livrodeimagem
Quem eu vejo? Um rinoceronte indiano do século XVI ou Clara, a rinoceronte, com sua casca tão grosso e escura... E, como laços, à sua volta voam borboletas multicores! Paquiderme é bicho casca-grossa como uma escavadeira, um tatu-bola na carapaça sanfonada, um besouro rola-bosta e até mesmo um caranguejo.
O que esses pássaros têm em comum com um mandril, e o mandril com um palhaço, e o palhaço com a palhoça?
Notívagos!
Olhos são faróis e vaga-lumes, mas são olhos
os olhos da Caligo, a borboleta-coruja?
Aqui eu penso: a girafa é
uma arca ou o baobá dos animais...
26 de julho de 2016
o estado das coisas
O'ABRE ASPAS
"Ainda era confuso o estado das coisas do mundo, no tempo remoto em que está história se passa. Não era raro defrontar-se com nomes, pensamentos, formas e instituições a que não correspondia nada de existente. E, por outro lado, o mundo pululava de objetos e faculdades, e pessoas que não possuíam nem nome nem distinção do restante. Era uma época em que a vontade e a obstinação de existir, de deixar marcas, de provocar atrito com tudo aquilo que existe, não era inteiramente usada, dado que muitos não faziam nada com isso -- por miséria ou ignorância ou porque tudo dava certo para eles do mesmo jeito -- e assim uma certa quantidade andava perdida no vazio." (Italo Calvino) O CAVALEIRO INEXISTENTE (1959) trad. Nilson Moulin: 1999 p. 35.
"Ainda era confuso o estado das coisas do mundo, no tempo remoto em que está história se passa. Não era raro defrontar-se com nomes, pensamentos, formas e instituições a que não correspondia nada de existente. E, por outro lado, o mundo pululava de objetos e faculdades, e pessoas que não possuíam nem nome nem distinção do restante. Era uma época em que a vontade e a obstinação de existir, de deixar marcas, de provocar atrito com tudo aquilo que existe, não era inteiramente usada, dado que muitos não faziam nada com isso -- por miséria ou ignorância ou porque tudo dava certo para eles do mesmo jeito -- e assim uma certa quantidade andava perdida no vazio." (Italo Calvino) O CAVALEIRO INEXISTENTE (1959) trad. Nilson Moulin: 1999 p. 35.
23 de julho de 2016
dizer tudo com o mínimo
Julho Amarelo 5 Peter O.ô Sagae
Era uma vez um rei mandão... Ele morava num livro de capa amarela e na minha memória. Quando volto a um título antigo, confirmo, pelo caminho, aqueles textos que não gostaria de esquecer. E aqui se digo texto, digo UMA PALAVRA SÓ para designar o todo que é um livro ilustrado por Angela Lago à roda dos signos verbais e visuais para contar uma história e abrir múltiplos sentidos. Bem se vê, uma aula-aventura: como conversar com a tradição oral e pensar a narrativa impressa #editoramoderna (1996) #angelalago #literaturainfantil
Há um modo de fazer um livro encenado.
Os personagens passeiam pelas páginas como figurinhas em três dimensões. As sombras projetam-se à frente e atrás de um movimento do corpo, da cabeça e das mãos como que adivinhando o futuro ou sinalizando o passado. Num jogo de contornos e transparências, o rei, os três ministros e o príncipe revelam seus sentimentos e intenções, prolongando-se diante do nosso olhar...
Mas há, no livro, duas figuras femininas de suma importância. Laço de fita lilás-amarelo nos cabelos. Elas não são mera representação de novos personagens, mas a presença personificada de dois agentes literários: o narrador e o narratário. Se quiser, dispense a teoria e diga apenas: a contadora do causo e sua ouvinte, admiradas, fofoqueiras, inscritas visualmente no texto de Angela Lago.
O gesto e a corporalidade de quem conta uma história – e a quer corrigir – eram já pressentidos no discurso verbal desde o início da narração. Ouça só! “Era uma vez um rei mandão. Ou melhor: era, mais uma vez, um rei mandão. Pois é... Mandar é a sina dos reis, e muitos exageram. O nosso, por exemplo, acreditava que era o dono de tudo, inclusive da verdade. Um dia...”
Um dia, eu discutia com um grupo de autores sobre a magia da oralidade na linguagem escrita. E como construir o fio da história na meada do som. Alguns livros são exemplares e não os abandono, pois revelam as artimanhas de envolver o leitor (ouvinte e espectador) na trama das palavras e das imagens. Imagem impressa na página e imagem impressa na mente. Bacana, hein? Essa é Angela Lago.
E comentar um livro não é apenas virar as páginas pelo conteúdo, correndo pela narrativa: a história de um rei autoritário, cercado de puxa-sacos, que desejava castigar quem não concordasse com ele. Quis a sorte, porém, que o filho fosse pego por sua lei e só poderia usar UMA PALAVRA SÓ para se comunicar com as outras pessoas. Tá aí o plot para um resumo. Tá aí também o diálogo com a tradição dos contos populares. Por exemplo, a história dos três aprendizes dos Grimm.
No entanto, a fada de hoje é outra. E sua lição: contornar a dificuldade e dizer tudo com o mínimo aprendido através das letras e fonemas de uma palavra só... exclusivamente, uma palavra só, libertando muitas outras do seu interior. Este é um jogo de esperteza, uma das características das obras de Angela Lago elegendo personagens que se metem em concursos de adivinhações e devem responder três questões para salvar sua vida.
Vinte anos de encantamento e o livro permanece atual em suas múltiplas articulações. Deus nos livre das leis absurdas e dos candongueiros por aí. UMA PALAVRA SÓ recebeu o Prêmio Bloch Educação – Literatura Infantil 1996 e também o selo Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, pela autoria e ilustração.
Era uma vez um rei mandão... Ele morava num livro de capa amarela e na minha memória. Quando volto a um título antigo, confirmo, pelo caminho, aqueles textos que não gostaria de esquecer. E aqui se digo texto, digo UMA PALAVRA SÓ para designar o todo que é um livro ilustrado por Angela Lago à roda dos signos verbais e visuais para contar uma história e abrir múltiplos sentidos. Bem se vê, uma aula-aventura: como conversar com a tradição oral e pensar a narrativa impressa #editoramoderna (1996) #angelalago #literaturainfantil
Há um modo de fazer um livro encenado.
Os personagens passeiam pelas páginas como figurinhas em três dimensões. As sombras projetam-se à frente e atrás de um movimento do corpo, da cabeça e das mãos como que adivinhando o futuro ou sinalizando o passado. Num jogo de contornos e transparências, o rei, os três ministros e o príncipe revelam seus sentimentos e intenções, prolongando-se diante do nosso olhar...
Mas há, no livro, duas figuras femininas de suma importância. Laço de fita lilás-amarelo nos cabelos. Elas não são mera representação de novos personagens, mas a presença personificada de dois agentes literários: o narrador e o narratário. Se quiser, dispense a teoria e diga apenas: a contadora do causo e sua ouvinte, admiradas, fofoqueiras, inscritas visualmente no texto de Angela Lago.
O gesto e a corporalidade de quem conta uma história – e a quer corrigir – eram já pressentidos no discurso verbal desde o início da narração. Ouça só! “Era uma vez um rei mandão. Ou melhor: era, mais uma vez, um rei mandão. Pois é... Mandar é a sina dos reis, e muitos exageram. O nosso, por exemplo, acreditava que era o dono de tudo, inclusive da verdade. Um dia...”
Um dia, eu discutia com um grupo de autores sobre a magia da oralidade na linguagem escrita. E como construir o fio da história na meada do som. Alguns livros são exemplares e não os abandono, pois revelam as artimanhas de envolver o leitor (ouvinte e espectador) na trama das palavras e das imagens. Imagem impressa na página e imagem impressa na mente. Bacana, hein? Essa é Angela Lago.
E comentar um livro não é apenas virar as páginas pelo conteúdo, correndo pela narrativa: a história de um rei autoritário, cercado de puxa-sacos, que desejava castigar quem não concordasse com ele. Quis a sorte, porém, que o filho fosse pego por sua lei e só poderia usar UMA PALAVRA SÓ para se comunicar com as outras pessoas. Tá aí o plot para um resumo. Tá aí também o diálogo com a tradição dos contos populares. Por exemplo, a história dos três aprendizes dos Grimm.
No entanto, a fada de hoje é outra. E sua lição: contornar a dificuldade e dizer tudo com o mínimo aprendido através das letras e fonemas de uma palavra só... exclusivamente, uma palavra só, libertando muitas outras do seu interior. Este é um jogo de esperteza, uma das características das obras de Angela Lago elegendo personagens que se metem em concursos de adivinhações e devem responder três questões para salvar sua vida.
Vinte anos de encantamento e o livro permanece atual em suas múltiplas articulações. Deus nos livre das leis absurdas e dos candongueiros por aí. UMA PALAVRA SÓ recebeu o Prêmio Bloch Educação – Literatura Infantil 1996 e também o selo Altamente Recomendável, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, pela autoria e ilustração.
21 de julho de 2016
Próximo!
Julho Amarelo 4 Peter O.ô Sagae
Nem todos os livros para crianças precisam ser fofos* ou demasiadamente instrutivos... BOM DIA, DOUTOR, da dupla Michaël Escoffier e Matthieu Maudet (2010), é um livro encenado com recursos de HQ. Na sala de espera, os pacientes, um a um, vão... sumindo! Um coelho com dor de ouvidos, um jacaré com dor de dente? Todos os seis personagens esperam o médico abrir a porta e chamar. Próximo! Mas algo saborosamente sórdido acontece... #edicoessm (2015) #michaelescoffier #matthieumaudet #literaturainfantil #humor trad. graziela r. s. costa pinto
A narrativa é uma anedota para leitores de 18 meses a três anos que, mesmo informalmente, poderão realizar diversas atividades de epilinguagem. Obedecendo a lógica e a estrutura fácil da narração oral, aqui se vê um balão de fala, logo adiante uma onomatopeia. PAF! Visual e verbal articulam situações comunicativas padrões, como o chamado na sala de espera, a queixa de cada paciente, o diagnóstico e a prescrição do médico. Porém tudo com humor que agrada também leitores mais experientes.
O jogo é ampliado pelo ritmo da ilustração. Afinal, pedir às crianças que digam e descrevam os seis personagens, criem hipóteses por quê motivos foram eles ao consultório e... qual o acontecimento estranho e misterioso que faz o número de pacientes diminuir mais rapidamente que os atendimentos? Quem será (se você já adivinhou) a próxima vítima?
P.S. Por que o elefante foi ao médico? Não, esse não é o motivo central da trama, nem da piada. Para completar uma resenha deveria eu contar que um desses personagens está... CHOMP-chomp-CHOMP, deixa pra lá!
Nem todos os livros para crianças precisam ser fofos* ou demasiadamente instrutivos... BOM DIA, DOUTOR, da dupla Michaël Escoffier e Matthieu Maudet (2010), é um livro encenado com recursos de HQ. Na sala de espera, os pacientes, um a um, vão... sumindo! Um coelho com dor de ouvidos, um jacaré com dor de dente? Todos os seis personagens esperam o médico abrir a porta e chamar. Próximo! Mas algo saborosamente sórdido acontece... #edicoessm (2015) #michaelescoffier #matthieumaudet #literaturainfantil #humor trad. graziela r. s. costa pinto
A narrativa é uma anedota para leitores de 18 meses a três anos que, mesmo informalmente, poderão realizar diversas atividades de epilinguagem. Obedecendo a lógica e a estrutura fácil da narração oral, aqui se vê um balão de fala, logo adiante uma onomatopeia. PAF! Visual e verbal articulam situações comunicativas padrões, como o chamado na sala de espera, a queixa de cada paciente, o diagnóstico e a prescrição do médico. Porém tudo com humor que agrada também leitores mais experientes.
O jogo é ampliado pelo ritmo da ilustração. Afinal, pedir às crianças que digam e descrevam os seis personagens, criem hipóteses por quê motivos foram eles ao consultório e... qual o acontecimento estranho e misterioso que faz o número de pacientes diminuir mais rapidamente que os atendimentos? Quem será (se você já adivinhou) a próxima vítima?
P.S. Por que o elefante foi ao médico? Não, esse não é o motivo central da trama, nem da piada. Para completar uma resenha deveria eu contar que um desses personagens está... CHOMP-chomp-CHOMP, deixa pra lá!
19 de julho de 2016
empatia para os pequeninos
Julho Amarelo 3 Peter O.ô Sagae
SE EU FOSSE... é um engraçado álbum de figuras de Marcelo Cipis e propõe um instigante exercício de imaginar-se um bicho, uma planta, um objeto e até mesmo outra pessoa. Uma tartaruga que faria uma reforma no casco, uma árvore sempre de braços abertos ou uma nuvem que viaja pelo ar são exemplos mais concretos que agradarão aos leitores mais pequeninos. Contudo, o jogo de novas identidades vai envolvendo noções abstratas, como o tempo, a funcionalidade das coisas e os afetos... #caramelo (2013) #marcelocipis #literaturainfantil #humor + ideias em torno do livro...
Este é um livro para leitores de todas as idades, principalmente em uma época em que muito se busca alcançar o conceito de EMPATIA como uma qualidade para gerenciar nossas relações. A brincadeira, através de frases e desenhos bem humorados, pode conduzir primeiramente ao movimento de descentrar cada sujeito do seu fechado ego; expandir sua capacidade de sentir, elaborar e entender as possibilidades das coisas e dos seres; então, evoluir para a aceitação das mais variadas e ricas diferenças. Tudo isso de uma forma lúdica e direta, valorizando atitudes, a partir da expressão-questionamento: se eu fosse X ou Y, o que faria?
Também é interessante verificar que, no desenvolvimento da linguagem oral e escrita, o livro comporta-se como um texto enumerativo. É uma lista ou catálogo de possibilidades e certamente dará oportunidade a novas criações – cartazes, cartas de um sugestivo baralho – em casa ou em sala de aula ☺
SE EU FOSSE... é um engraçado álbum de figuras de Marcelo Cipis e propõe um instigante exercício de imaginar-se um bicho, uma planta, um objeto e até mesmo outra pessoa. Uma tartaruga que faria uma reforma no casco, uma árvore sempre de braços abertos ou uma nuvem que viaja pelo ar são exemplos mais concretos que agradarão aos leitores mais pequeninos. Contudo, o jogo de novas identidades vai envolvendo noções abstratas, como o tempo, a funcionalidade das coisas e os afetos... #caramelo (2013) #marcelocipis #literaturainfantil #humor + ideias em torno do livro...
Este é um livro para leitores de todas as idades, principalmente em uma época em que muito se busca alcançar o conceito de EMPATIA como uma qualidade para gerenciar nossas relações. A brincadeira, através de frases e desenhos bem humorados, pode conduzir primeiramente ao movimento de descentrar cada sujeito do seu fechado ego; expandir sua capacidade de sentir, elaborar e entender as possibilidades das coisas e dos seres; então, evoluir para a aceitação das mais variadas e ricas diferenças. Tudo isso de uma forma lúdica e direta, valorizando atitudes, a partir da expressão-questionamento: se eu fosse X ou Y, o que faria?
Também é interessante verificar que, no desenvolvimento da linguagem oral e escrita, o livro comporta-se como um texto enumerativo. É uma lista ou catálogo de possibilidades e certamente dará oportunidade a novas criações – cartazes, cartas de um sugestivo baralho – em casa ou em sala de aula ☺
17 de julho de 2016
o que vem depois do OVO?
Julho Amarelo 2 Peter O.ô Sagae
P.S. Não posso esconder a alegria que dá um livro de Ana Raquel. É uma viagem literária por caminhos inteiramente novos e diferentes para cada leitor porque se fazem sem um roteiro prévio, a partir de um arcabouço ou arca-ovo de palavras e imagens que a autora combinou sobre a tela-página de seu livro. Não existe uma só narrativa, daí que é possível relatar algumas histórias num fluxo infinito como deve ser o pensamento – ou o sonho.
Por exemplo, o poema que escrevi não é um poema (ou é um poema) inspirado logo nas primeiras viradas de página do livro, numa sucessão de imagens e ideias. Minhas e dela, dela e minhas também. Somos os atores coparticipantes da mesma brincadeira. Apenas é preciso saber que Ana Raquel alerta o leitor: NADA É MUITO... TUDO É MÓVEL e assim ela estabelece as regras do nosso jogo.
Para pequenos leitores, em fase de explorar a própria oralidade, ou na idade de fixar os primeiros códigos da linguagem escrita, o livro se abre livre e provocador. O principal elemento de coerência é a duplicidade, os pares opositivos e complementares, o questionamento entre o que vem antes e o que vem depois... Assim, temos lua e sol, noite e dia, navio e avião, uma ampulheta com areia e peixe, um gato de olho, o tempo, fragmentos, estrelas, baleia, um pouco de ciência e uma colherinha de filosofia, paz e voo e mais: toda uma estranha encantaria onde a palavra é vista como parte do desenho, onde as figuras são sujeitos e objetos em busca de explicação. O que vem depois do OVO, senão o mundo inteiro e suas partes?
Havia um ovo no mar e no céuEra um livro com letra de mão, imagens, colagens e a barca louca das palavras da Ana Raquel. O que acontece depois é um desafio à mente poética de cada leitor, pescando links e histórias em torno do OVO #larousse (2008) #anaraquel #literaturainfantil + 4 imagens e travessuras do livro para você...
um ovo boiando náguas
uma sereia num barquinho de papel
Era um ovo que voava
no imenso azul e uma nuvem
que abaixo lançava âncora
Era tudo isso e era um peixe
um peixe que nasceu do ovo e caiu
no fundo de um aquário
Esse aquário era seu mundo!
P.S. Não posso esconder a alegria que dá um livro de Ana Raquel. É uma viagem literária por caminhos inteiramente novos e diferentes para cada leitor porque se fazem sem um roteiro prévio, a partir de um arcabouço ou arca-ovo de palavras e imagens que a autora combinou sobre a tela-página de seu livro. Não existe uma só narrativa, daí que é possível relatar algumas histórias num fluxo infinito como deve ser o pensamento – ou o sonho.
Por exemplo, o poema que escrevi não é um poema (ou é um poema) inspirado logo nas primeiras viradas de página do livro, numa sucessão de imagens e ideias. Minhas e dela, dela e minhas também. Somos os atores coparticipantes da mesma brincadeira. Apenas é preciso saber que Ana Raquel alerta o leitor: NADA É MUITO... TUDO É MÓVEL e assim ela estabelece as regras do nosso jogo.
Para pequenos leitores, em fase de explorar a própria oralidade, ou na idade de fixar os primeiros códigos da linguagem escrita, o livro se abre livre e provocador. O principal elemento de coerência é a duplicidade, os pares opositivos e complementares, o questionamento entre o que vem antes e o que vem depois... Assim, temos lua e sol, noite e dia, navio e avião, uma ampulheta com areia e peixe, um gato de olho, o tempo, fragmentos, estrelas, baleia, um pouco de ciência e uma colherinha de filosofia, paz e voo e mais: toda uma estranha encantaria onde a palavra é vista como parte do desenho, onde as figuras são sujeitos e objetos em busca de explicação. O que vem depois do OVO, senão o mundo inteiro e suas partes?
15 de julho de 2016
na companhia de um cão
Julho Amarelo 1 Peter O.ô Sagae
Férias inspira fazer castelos de areia na praia, não é mesmo? Às vezes, a brincadeira é boa o suficiente e, sozinhos, invadimos as terras do FAZ DE CONTA, inventando reinos venturosos e perigos distantes. Às vezes, não! Neste livro de imagem com roteiro de Tino Freitas e desenhos de Romont Willy, um menino recebe o auxílio na companhia de um cão que lhe entrega um graveto... ou seria um cavalo? uma lança? uma espada? um cajado mágico? #sesispeditora (2015) #literaturainfantil #tinofreitas #romontwilly #livrodeimagem
Correndo pela praia, chega o cão e chama a atenção do menino. A coleira vermelha é importante marca do personagem. Nas cenas do faz-de-conta, iremos identificar sua função como auxiliar mágico na forma de um duende com cinturão vermelho, ou uma fada...
ou mesmo um gnomo com bigodes de rato e dedos pegajosos de sapo, até mesmo um basilisco, meio batráquio, meio serpente, com asas!
É bastante clara a separação do plano da brincadeira na praia e o plano do faz-de-conta, articulando imagens a traço e ilustrações coloridas. A narrativa possui um caráter de anedota: veremos, após uma onda desbaratar o jogo da imaginação do menino e seu cão, um momento de calmaria... o menino desenha as suas aventuras na areia com o graveto, o cão é apenas um cão correndo atrás de sua bolinha – vem outra onda e, na última página, o leitor vê “outra coisa” se insinuando no mar! O que será?
Férias inspira fazer castelos de areia na praia, não é mesmo? Às vezes, a brincadeira é boa o suficiente e, sozinhos, invadimos as terras do FAZ DE CONTA, inventando reinos venturosos e perigos distantes. Às vezes, não! Neste livro de imagem com roteiro de Tino Freitas e desenhos de Romont Willy, um menino recebe o auxílio na companhia de um cão que lhe entrega um graveto... ou seria um cavalo? uma lança? uma espada? um cajado mágico? #sesispeditora (2015) #literaturainfantil #tinofreitas #romontwilly #livrodeimagem
Correndo pela praia, chega o cão e chama a atenção do menino. A coleira vermelha é importante marca do personagem. Nas cenas do faz-de-conta, iremos identificar sua função como auxiliar mágico na forma de um duende com cinturão vermelho, ou uma fada...
ou mesmo um gnomo com bigodes de rato e dedos pegajosos de sapo, até mesmo um basilisco, meio batráquio, meio serpente, com asas!
É bastante clara a separação do plano da brincadeira na praia e o plano do faz-de-conta, articulando imagens a traço e ilustrações coloridas. A narrativa possui um caráter de anedota: veremos, após uma onda desbaratar o jogo da imaginação do menino e seu cão, um momento de calmaria... o menino desenha as suas aventuras na areia com o graveto, o cão é apenas um cão correndo atrás de sua bolinha – vem outra onda e, na última página, o leitor vê “outra coisa” se insinuando no mar! O que será?
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