14 de setembro de 2021

a cidade sem nome de torres-garcía

Talvez devesse buscar o Uruguai nas enciclopédias ou nos guias turísticos, pegando o jeito e o signo pronto de um país. Talvez. Mas gosto da leitura oblíqua, evitando os símbolos que me asfixiam com ideias rígidas. Prefiro os índices que oferecem pistas ou pontes, andaimes movediços ao redor de algo à minha frente — um jogo entre o aqui e o ali, o que se vê e o que tenta não revelar... Será que o Uruguai existe na literatura, na pintura, na piscadela do olho? Talvez não seja um país exato, é apenas uma invenção de autores irrequietos!

Passeio por A CIDADE SEM NOME DE TORRES-GARCÍA, de Gustavo Piqueira @lote42 (2021), uma monografia palavra-imagem que conduz nossa atenção-observação ao imbricamento da caligrafia e do desenho num livro do artista uruguaio. Para adentrarmos “La ciudad sin nombre” (1941), Piqueira traça rápidas notas sobre o divórcio que a prensa produziria sobre a escrita e a noção de que é um código visual; então, recupera os percursos biográficos do andarilho que foi Joaquín Torres-García; e finalmente vamos nos deparar com algumas páginas que exibem como o autor alinhou e alternou o desenho de pessoas, carros, casas, prédios, letreiros às palavras.

Assim resenhando ou descrevendo, até se pode imaginar o quanto de carta-enigmática Torres-García encerrou em seu trabalho. A linguagem do rébus é uma aparente chave de acesso às invenções do artista que se dedicou ao Abstracionismo, um pouco ao lado de Mondrian e Arp, e as afinidades entre o neoplasticismo europeu e o grafismo dos artefatos pré-colombianos. Torres-García propõe uma sintaxe espacial que acomoda muito bem o moderno e a criança, elementos figurativos, geométricos e perspectivas afetivas planas. A cidade sem nome já me parece de todos os homens, de todas as idades. Montevidéu, Nova Iorque ou São Paulo. Em todas as ruas somos primitivos observadores? Ora, Torres-García também fora professor em uma escola infantil e produziu inúmeros brinquedos de madeira, após o nascimento dos filhos. Ao homem intelectual e prático, é digna e é signo a sua obsessão pela tríade vida-obra-cosmos, ou seja, a gênese de novas formas organizadas. E existirá algo mais belo e infantil do que isso?

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