peter o.sagae
A poética brasileira para a infância tem íntima e fortemente seguido em duas direções: a tradição popular em versos, com suas trovas e quadrinhas cantadas em roda, ou a liberdade apregoada pelos já centenários poetas do modernismo, produzindo frutos de variados sabores, uns bons, outros nem tanto, para os livros e para os discos, em páginas impressas ou nos arquivos.mp3. Mas ainda são poucos os escritores que se saem bem sucedidos ao entrelaçar conscientemente esses dois caminhos – e aqui cochicho o nome de Eloí Bocheco.
É preciso reconhecer que o folclore impõe uma métrica constante, seja trissílabos, heroico quebrado, raras vezes mais que uma redondilha maior. Também é preciso saber que, a despeito do cumprimento irregular dos versos livres, a poesia modernista caracteriza-se por um rigoroso padrão rítmico-melódico. Ambos os projetos artísticos exigem apurados ouvidos... E dicção e fôlego e desejo de soar ingenuamente, mesmo depois de exaustiva elaboração. E Eloí E. Bocheco consegue, mais e mais, transmitir de forma fácil a felicidade de versos que brincam como nossos velhos conhecidos.
Neste POMAR DE BRINQUEDO, ilustrado por Taline Schubach (Larousse, 2009, fora de catálogo), dança o limão o bota-aqui, ai bota ali o teu pezinho, um passo pra frente, um passo pro lado, com a tangerina; saboreamos um céu inteiro de estrelas de carambola ou abrimos uma caixinha com lenço bordado, quando sentimos vontade de chorar pitangas... Frutas em cores, caroço na terra, em voo, da árvore no quintal à janela, frutas em versos, beleza em penca, quem pensa, com tanto humor e disparate esse baile? Pela cerca que não há, a imaginação da autora catarinense arruma sonoridades bem jeitosas de lá pra cá e, mesmo quando abre mão da rima, não perde o requebrado lúdico do seu fazer musicado.
20 de agosto de 2011
19 de agosto de 2011
assim que o dia começa
peter o.sagae
Jardins de antigas casas, feitos para cultivar e olhar, ‘inda hoje vicejam na memória afetiva dos poetas. Mas, como reviver e compartilhar o verde, as flores, os insetos, terra seca, terra molhada, os pequeninos barulhos, voláteis cheiros através das palavras?
Marcos Bagno escolheu a forma curta, certa e singela da quadra com rimas intercaladas, acrescentando-lhe um dístico e, realmente, com tão pouco, coloca-nos a viver a felicidade e rir à toa, devagar, devagarinho, no ritmo de um caracol, ou apressando o passo no trem que é uma centopeia. As pinceladas de Lúcia Hiratsuka, ora pétala, ora asa, em cores brilhantes e cheias de transparências, compactuam com uma “meiga e sabia melodia” alinhavada nos versos, sugestivos, leves e bem humorados: bem amarrados. Nesse jardim tem festa, assim que o dia começa, FESTA NO MEU JARDIM (Positivo, 2010).
Jardins de antigas casas, feitos para cultivar e olhar, ‘inda hoje vicejam na memória afetiva dos poetas. Mas, como reviver e compartilhar o verde, as flores, os insetos, terra seca, terra molhada, os pequeninos barulhos, voláteis cheiros através das palavras?
Marcos Bagno escolheu a forma curta, certa e singela da quadra com rimas intercaladas, acrescentando-lhe um dístico e, realmente, com tão pouco, coloca-nos a viver a felicidade e rir à toa, devagar, devagarinho, no ritmo de um caracol, ou apressando o passo no trem que é uma centopeia. As pinceladas de Lúcia Hiratsuka, ora pétala, ora asa, em cores brilhantes e cheias de transparências, compactuam com uma “meiga e sabia melodia” alinhavada nos versos, sugestivos, leves e bem humorados: bem amarrados. Nesse jardim tem festa, assim que o dia começa, FESTA NO MEU JARDIM (Positivo, 2010).
18 de agosto de 2011
cores, ventos, radar e bartolomeu
sagae o sagae
Os sentidos cinco que temos não são radares ou fim para dividir as experiências, mas ajudar a reconstituir a essência que somos. Bem querer, colheres e descoberta. Há, nisso, algo de fenomenologia e metafísica. Para todos. Para crianças? Assim seja. Em puro estado de elevação e movimento, as palavras de Bartolomeu acordam o olhar, tecendo fantasias sobre tudo, muito, pouco e aquilo mais, o que permanece escondido atrás das coisas. Ou dentro do silêncio, para escutar os lugares que o pensamento visita, a seu jeito. Além da visão, ou delicada audição: o olfato, o paladar e o tato em roda. Pelo corpo inteiro, todos os sentidos que OS CINCO SENTIDOS têm.
Um livro de Bartolomeu Campos de Queirós publicado há tanto tempo pela editora Miguilim, em 1999, segunda edição pela Companhia Editora Nacional, em 2004, e ainda novo, belamente ilustrado e colorido por Camila Mesquita para a Global, em 2009.
Com sua prosa poética, o escritor mineiro reinventa o nosso modo de estar no mundo: eu-lírico sentindo-se finito e infinito, bem medido e acabado, com os pontos cardeais na ponta das mãos, leste e oeste, o olhar voltado para o norte e todo o sul, passado e sonhos, às costas. Reflexão e leveza, o tempo que passa, primavera, verão, outono, inverno... o coração que dispara e acolhe as sugestões que o relógio do pensamento traz, a bússola da vida. Tão perfumada de sinestesias para nos orientar por dentro, ROSA DOS VENTOS.
Outro livro de Bartolomeu Campos de Queirós, lançado em 2000 pela simpática Miguilim, que também passou pela Companhia Editora Nacional, em 2004, e ganha agora a terceira edição com ilustrações de Camila Mesquita: Global, 2009.
Os sentidos cinco que temos não são radares ou fim para dividir as experiências, mas ajudar a reconstituir a essência que somos. Bem querer, colheres e descoberta. Há, nisso, algo de fenomenologia e metafísica. Para todos. Para crianças? Assim seja. Em puro estado de elevação e movimento, as palavras de Bartolomeu acordam o olhar, tecendo fantasias sobre tudo, muito, pouco e aquilo mais, o que permanece escondido atrás das coisas. Ou dentro do silêncio, para escutar os lugares que o pensamento visita, a seu jeito. Além da visão, ou delicada audição: o olfato, o paladar e o tato em roda. Pelo corpo inteiro, todos os sentidos que OS CINCO SENTIDOS têm.
Um livro de Bartolomeu Campos de Queirós publicado há tanto tempo pela editora Miguilim, em 1999, segunda edição pela Companhia Editora Nacional, em 2004, e ainda novo, belamente ilustrado e colorido por Camila Mesquita para a Global, em 2009.
Com sua prosa poética, o escritor mineiro reinventa o nosso modo de estar no mundo: eu-lírico sentindo-se finito e infinito, bem medido e acabado, com os pontos cardeais na ponta das mãos, leste e oeste, o olhar voltado para o norte e todo o sul, passado e sonhos, às costas. Reflexão e leveza, o tempo que passa, primavera, verão, outono, inverno... o coração que dispara e acolhe as sugestões que o relógio do pensamento traz, a bússola da vida. Tão perfumada de sinestesias para nos orientar por dentro, ROSA DOS VENTOS.
Outro livro de Bartolomeu Campos de Queirós, lançado em 2000 pela simpática Miguilim, que também passou pela Companhia Editora Nacional, em 2004, e ganha agora a terceira edição com ilustrações de Camila Mesquita: Global, 2009.
17 de agosto de 2011
mágico rilke
peter o.o’sagae
O CARROSSEL, poema de Rainer Maria Rilke, faz girar beleza e cores, entre cavalos, cervos, leões “e vez em quando um elefante branco”, no desenho circular de um tempo mágico e sem fim. É a própria duração de uma volta e mais outra, e outra, adiante e avante, que sempre volta ao mesmo lugar, porém já é um lugar outro porque a imaginação sobe, desce, galopa, galopa com o verde, o vermelho, o gris “e vez em quando um elefante branco”.
Escrito em 1907, o poema “Das Karussell” vem descrever a ventura de quem gira sem ver o tempo passar, entre os sons tipicamente levenslied de um imenso realejo e os sorrisos provocados pelo alegre passeio, revivendo, no entanto, o curioso ponto de vista de quem está fora e vê as crianças passando a brincar... Um sentimento de alegria e saudade evola, renova-se na repetida passagem do elefante branco. Eis o verso-chave, vez em quando como um bordão na busca do começo-recomeço de cada volta... Rilke, um dos mais importantes poetas da língua alemã, nos conduz ao jogo sem idade da poesia e do brincar, nesse livro elegante com ilustrações da francesa Isabel Pin e a tradução de Juliana P. Perez (Berlendis & Vertecchia, 2010).
O CARROSSEL, poema de Rainer Maria Rilke, faz girar beleza e cores, entre cavalos, cervos, leões “e vez em quando um elefante branco”, no desenho circular de um tempo mágico e sem fim. É a própria duração de uma volta e mais outra, e outra, adiante e avante, que sempre volta ao mesmo lugar, porém já é um lugar outro porque a imaginação sobe, desce, galopa, galopa com o verde, o vermelho, o gris “e vez em quando um elefante branco”.
Escrito em 1907, o poema “Das Karussell” vem descrever a ventura de quem gira sem ver o tempo passar, entre os sons tipicamente levenslied de um imenso realejo e os sorrisos provocados pelo alegre passeio, revivendo, no entanto, o curioso ponto de vista de quem está fora e vê as crianças passando a brincar... Um sentimento de alegria e saudade evola, renova-se na repetida passagem do elefante branco. Eis o verso-chave, vez em quando como um bordão na busca do começo-recomeço de cada volta... Rilke, um dos mais importantes poetas da língua alemã, nos conduz ao jogo sem idade da poesia e do brincar, nesse livro elegante com ilustrações da francesa Isabel Pin e a tradução de Juliana P. Perez (Berlendis & Vertecchia, 2010).
16 de agosto de 2011
schiller para crianças
peter o.o’sagae
De Friedrich Schiller, A FIANÇA é um poema narrativo de inspiração popular, na forma de uma balada que nos levaria aos tempos de bravos cavaleiros medievais e canções de gesta germânicas; no entanto e ainda que respeitando um ritmo das novelas de aventuras, o poeta buscou a matéria de conteúdo lendário entre reis, deuses e heróis mais antigos, recriando um episódio vivido pelo incauto e jovem grego chamado Dâmon, no século IV a.C. às portas de Dionísio, poderoso tirano de Siracusa, na Sicília.
Dâmon acaba por empenhar a vida de seu amigo Pítias ou Fíntias ao rei inimigo, enquanto retorna a seu país a fim de resolver o casamento de sua irmã. Precisa voltar em três dias, irrevogáveis, senão o amado amigo morrerá em seu lugar... Porém, entraves e desastres, chuva, enchentes, ponte caída, salteadores na estrada, tudo corre contra o herói. Sem jamais desistir, Dâmon tudo vence e tem perdoada a afronta contra Dionísio, salvando assim o jovem amigo.
Esta é uma história sobre uma amizade invencível; a trama, eloquente, envolve ambos os jovens no desafio da lealdade sob toda e qualquer condição, e tem servido de inspiração a muitas outras peças da literatura e do cinema. O poema de Schiller – “Die Bürgschaft”, em língua alemã, foi composto em 1799, traduzido por Juliana P. Perez e conta com os desenhos muito bem humorados, cheios de movimento e detalhes insólitos, da ilustradora franco-alemã Jenny Brosinsky (Berlendis & Vertecchia, 2010).
De Friedrich Schiller, A FIANÇA é um poema narrativo de inspiração popular, na forma de uma balada que nos levaria aos tempos de bravos cavaleiros medievais e canções de gesta germânicas; no entanto e ainda que respeitando um ritmo das novelas de aventuras, o poeta buscou a matéria de conteúdo lendário entre reis, deuses e heróis mais antigos, recriando um episódio vivido pelo incauto e jovem grego chamado Dâmon, no século IV a.C. às portas de Dionísio, poderoso tirano de Siracusa, na Sicília.
Dâmon acaba por empenhar a vida de seu amigo Pítias ou Fíntias ao rei inimigo, enquanto retorna a seu país a fim de resolver o casamento de sua irmã. Precisa voltar em três dias, irrevogáveis, senão o amado amigo morrerá em seu lugar... Porém, entraves e desastres, chuva, enchentes, ponte caída, salteadores na estrada, tudo corre contra o herói. Sem jamais desistir, Dâmon tudo vence e tem perdoada a afronta contra Dionísio, salvando assim o jovem amigo.
Esta é uma história sobre uma amizade invencível; a trama, eloquente, envolve ambos os jovens no desafio da lealdade sob toda e qualquer condição, e tem servido de inspiração a muitas outras peças da literatura e do cinema. O poema de Schiller – “Die Bürgschaft”, em língua alemã, foi composto em 1799, traduzido por Juliana P. Perez e conta com os desenhos muito bem humorados, cheios de movimento e detalhes insólitos, da ilustradora franco-alemã Jenny Brosinsky (Berlendis & Vertecchia, 2010).
15 de agosto de 2011
quando é que a língua estala
peter o’sagae
A poesia de José Jorge Letria tem rima, sotaque e aquele ritmo da melhor cantoria: não é fado, mas é fatal: é aquele estalo da língua: portuguesa, com certeza, com invenções e sutilezas que deslizam do léxico simples e vário para os vários sentidos da palavra sobre a mesa, sobre a página impressa, sobre a ideia de quem lê José Jorge Letria sem pressa. Ou mesmo apressado pois o poeta recita e receita trocadilhos, delícias e surpresas. É o estalo da língua que deve estrelar na leitura em voz alta, alta memória, metalinguagem, literatura e história. Tudo é brincadeira, extravagância e tem um quê mais inteligente para dizer. Queres um exemplo? Vai aqui apenas um ponteio do que Letria apronta:
Disse Cabral
a Pêro Vaz de Caminha:
“Queres um pêro
para comer à noitinha?”
Respondeu o cronista:
“Vou comê-lo antes
de ir para a caminha.” [...]
O LIVRO EXTRAVAGANTE e outros poemas, de José Jorge Letria, tem organização de José Santos e ilustrações de Taísa Borges (Peirópolis, 2010).
A poesia de José Jorge Letria tem rima, sotaque e aquele ritmo da melhor cantoria: não é fado, mas é fatal: é aquele estalo da língua: portuguesa, com certeza, com invenções e sutilezas que deslizam do léxico simples e vário para os vários sentidos da palavra sobre a mesa, sobre a página impressa, sobre a ideia de quem lê José Jorge Letria sem pressa. Ou mesmo apressado pois o poeta recita e receita trocadilhos, delícias e surpresas. É o estalo da língua que deve estrelar na leitura em voz alta, alta memória, metalinguagem, literatura e história. Tudo é brincadeira, extravagância e tem um quê mais inteligente para dizer. Queres um exemplo? Vai aqui apenas um ponteio do que Letria apronta:
Disse Cabral
a Pêro Vaz de Caminha:
“Queres um pêro
para comer à noitinha?”
Respondeu o cronista:
“Vou comê-lo antes
de ir para a caminha.” [...]
O LIVRO EXTRAVAGANTE e outros poemas, de José Jorge Letria, tem organização de José Santos e ilustrações de Taísa Borges (Peirópolis, 2010).
14 de agosto de 2011
“porque a fala é um canteiro”
peter o.sagae
A imagem se antecipa, convite. Hora de nos achegarmos na estrelada poltrona azul, a cadeira do papai. Quem estica o braço e acende o abat-jour da próxima leitura? “Dorme agora sossegado / como as nuvens à noitinha / que eu fico aqui a teu lado / com a tua mão na minha.” Canta a voz que encanta a lua, luz, luzes, cantigas do bom outono, ternuras, timbres, sombras eriçadas contra o medo...
O amor é uma asa paterna que protege e faz sonhar, meninos e meninas que vão, ora mergulho, ora voo, golfinho ou rouxinol, embalados nestes versos, tesouros de som para compartilhar.
José Jorge Letria convida cada leitor a viver imagens. Hora de ouvir estrelas da boca do pai que se tem ou se pode imaginar. “Cada palavra que leres / há de alargar o teu mundo...” E, assim, predizendo boa sorte, compreensão, rimas, sorrisos, retratos de verões passados, o poeta traz para nossa paisagem interior um mar de brinquedos felizes — e, entre eles, o fingimento tão típico dos homens e meninos de sua terra, girando, nas calhas de roda! Sim, a tradição se renova a cada testemunho e testamento que
... um dia
a todos hão de ensinar
os mistérios da alegria.
Feliz domingo!
VERSOS PARA OS PAIS LEREM AOS FILHOS EM NOITES DE LUAR, de José Jorge Letria com as ilustrações de André Letria (Peirópolis, 2010), obra publicada com o apoio da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, do Ministério da Cultura de Portugal.
A imagem se antecipa, convite. Hora de nos achegarmos na estrelada poltrona azul, a cadeira do papai. Quem estica o braço e acende o abat-jour da próxima leitura? “Dorme agora sossegado / como as nuvens à noitinha / que eu fico aqui a teu lado / com a tua mão na minha.” Canta a voz que encanta a lua, luz, luzes, cantigas do bom outono, ternuras, timbres, sombras eriçadas contra o medo...
O amor é uma asa paterna que protege e faz sonhar, meninos e meninas que vão, ora mergulho, ora voo, golfinho ou rouxinol, embalados nestes versos, tesouros de som para compartilhar.
José Jorge Letria convida cada leitor a viver imagens. Hora de ouvir estrelas da boca do pai que se tem ou se pode imaginar. “Cada palavra que leres / há de alargar o teu mundo...” E, assim, predizendo boa sorte, compreensão, rimas, sorrisos, retratos de verões passados, o poeta traz para nossa paisagem interior um mar de brinquedos felizes — e, entre eles, o fingimento tão típico dos homens e meninos de sua terra, girando, nas calhas de roda! Sim, a tradição se renova a cada testemunho e testamento que
... um dia
a todos hão de ensinar
os mistérios da alegria.
Feliz domingo!
VERSOS PARA OS PAIS LEREM AOS FILHOS EM NOITES DE LUAR, de José Jorge Letria com as ilustrações de André Letria (Peirópolis, 2010), obra publicada com o apoio da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, do Ministério da Cultura de Portugal.
13 de agosto de 2011
envelhecem uns, outros inauguram a vida
peter ô, sagae
Avô que provoca estrelas no olhar do neto, tem abraço do tamanho do mundo, quando o sono voa embora: é hora de acordar e sonhar com as palavras que aprendemos e nos inspiram! Com a poesia de José Jorge Letria, a voz de todos os avós recorda e recorta a vida em seus objetos e instantes. O que hoje passatempo e brinquedos apenas são, serão amanhã aparelhos, apetrechos e coisas que vamos usar... Deixa estar. Por enquanto, um carrinho ou um barco veleiro no fim de semana, ou começo de férias, muitas viagens e um saco de histórias de outros tempos — pois enquanto o menino não as puder ler nas páginas de um livro, o velho as vem contar apenas para ouvir o pequeno dizer — Ó avô, conta outra vez!
Porque antes mesmo das histórias de fada, lobisomem ou duende, existe a história do começo da gente. Vem o avô ensinar o tempo, um tempo de ouro só: uns envelhecem, outros lançam-se na aventura de chegar com pés de vento e sapatinhos de lã. E, desse mundo, desse modo de ternuras, o poeta reprisa o futuro no dente que vai cair, nas fotografias que há de guardar, nas lembranças do seu menino no pôr de um sol afetivo à beira-mar. Uns envelhecem, já se sabe e aceita-se. E o que fica depois? Um avô contador de histórias, eterno, nas palavras que nos diz, sonhando frases, sonhando um poema cujo nome será saudade...
“Ficam os livros guardados
para depois serem lidos
enquanto o embalo do som
lhes vai enchendo os ouvidos.”
AVÔ, CONTA OUTRA VEZ é um poema-mensagem muito terno de José Jorge Letria, publicado originalmente em maio de 2003. Chega agora ao leitor brasileiro com as ilustrações de André Letria (Peirópolis, 2010), com o apoio da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, do Ministério da Cultura de Portugal.
Avô que provoca estrelas no olhar do neto, tem abraço do tamanho do mundo, quando o sono voa embora: é hora de acordar e sonhar com as palavras que aprendemos e nos inspiram! Com a poesia de José Jorge Letria, a voz de todos os avós recorda e recorta a vida em seus objetos e instantes. O que hoje passatempo e brinquedos apenas são, serão amanhã aparelhos, apetrechos e coisas que vamos usar... Deixa estar. Por enquanto, um carrinho ou um barco veleiro no fim de semana, ou começo de férias, muitas viagens e um saco de histórias de outros tempos — pois enquanto o menino não as puder ler nas páginas de um livro, o velho as vem contar apenas para ouvir o pequeno dizer — Ó avô, conta outra vez!
Porque antes mesmo das histórias de fada, lobisomem ou duende, existe a história do começo da gente. Vem o avô ensinar o tempo, um tempo de ouro só: uns envelhecem, outros lançam-se na aventura de chegar com pés de vento e sapatinhos de lã. E, desse mundo, desse modo de ternuras, o poeta reprisa o futuro no dente que vai cair, nas fotografias que há de guardar, nas lembranças do seu menino no pôr de um sol afetivo à beira-mar. Uns envelhecem, já se sabe e aceita-se. E o que fica depois? Um avô contador de histórias, eterno, nas palavras que nos diz, sonhando frases, sonhando um poema cujo nome será saudade...
“Ficam os livros guardados
para depois serem lidos
enquanto o embalo do som
lhes vai enchendo os ouvidos.”
AVÔ, CONTA OUTRA VEZ é um poema-mensagem muito terno de José Jorge Letria, publicado originalmente em maio de 2003. Chega agora ao leitor brasileiro com as ilustrações de André Letria (Peirópolis, 2010), com o apoio da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, do Ministério da Cultura de Portugal.
12 de agosto de 2011
o mito é um continente humano
peter o'sagae
De José Jorge Letria, OS ANIMAIS FANTÁSTICOS, poemas do autor português ilustrados por seu filho André Letria (Peirópolis, 2008), edição apoiada pela Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas do Ministério da Cultura de Portugal.
Enigma e poesia pairam sobre o continente do Mito, onde vivem os animais fantásticos que José Jorge Letria escolheu para apresentar ao jovem leitor contemporâneo. Fez mais: deu-lhes voz. Assim, nesta coletânea de “dezanove” poemas, a presença de cada hábil e estrela criatura é feita em primeira pessoa: “Eu sou a estranha mistura”, diz o Basilisco — “de um galo e de uma serpente/ que põe um ovo enfeitiçado/ mesmo aqui à nossa frente”.
Brincando com certo efeito de proximidade que a linguagem verbal oferece, o poeta abruma e arredonda o discurso em nossa direção — e os animais míticos ressurgem falando da própria origem, originais. Por vezes, as criaturas igualmente parecem ganhar algumas distâncias como se pudessem desaparecer frente aos olhos do expectador, sutilmente, nas entrelinhas do texto... Letria escolhe, pois, os lugares pouco explorados do Mito-continente para os seres transformarem-se ou darem volta à paisagem, altivos em dez ramos de luar, às portas da madrugada, à sombra do mistério, passando por versos tal cavalo com asas numa veloz cavalgadura.
As imagens que José Jorge recupera, à saída dos poemas, são uma ilustração da memória dos tempos — e vemos a humanidade toda desfilar suas criações e confabular destinos, espelhos, veleiros, florestas, lendas medievais e mediterrâneas, antigas e gregas. São fragmentos, bestiário e passagens de sonho, metáforas e verdades: que tudo no livro reúne-se bem com palavras — e André Letria, com toques de ilusionista, em espessa e colorida textura, refaz o desenho das extraordinárias criaturas. Seus olhos perseguem o passado à esquerda, esgueiram-se até o leitor... Há beleza nas sombras que o relevo produz, revelando a face humanamente mística desses animais.
* Texto extraído de Dobras da Leitura, março de 2009
* Visitar a exposição Os Animais Fantásticos
De José Jorge Letria, OS ANIMAIS FANTÁSTICOS, poemas do autor português ilustrados por seu filho André Letria (Peirópolis, 2008), edição apoiada pela Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas do Ministério da Cultura de Portugal.
Brincando com certo efeito de proximidade que a linguagem verbal oferece, o poeta abruma e arredonda o discurso em nossa direção — e os animais míticos ressurgem falando da própria origem, originais. Por vezes, as criaturas igualmente parecem ganhar algumas distâncias como se pudessem desaparecer frente aos olhos do expectador, sutilmente, nas entrelinhas do texto... Letria escolhe, pois, os lugares pouco explorados do Mito-continente para os seres transformarem-se ou darem volta à paisagem, altivos em dez ramos de luar, às portas da madrugada, à sombra do mistério, passando por versos tal cavalo com asas numa veloz cavalgadura.
As imagens que José Jorge recupera, à saída dos poemas, são uma ilustração da memória dos tempos — e vemos a humanidade toda desfilar suas criações e confabular destinos, espelhos, veleiros, florestas, lendas medievais e mediterrâneas, antigas e gregas. São fragmentos, bestiário e passagens de sonho, metáforas e verdades: que tudo no livro reúne-se bem com palavras — e André Letria, com toques de ilusionista, em espessa e colorida textura, refaz o desenho das extraordinárias criaturas. Seus olhos perseguem o passado à esquerda, esgueiram-se até o leitor... Há beleza nas sombras que o relevo produz, revelando a face humanamente mística desses animais.
* Texto extraído de Dobras da Leitura, março de 2009
* Visitar a exposição Os Animais Fantásticos
11 de agosto de 2011
amados encontros, espelhos e sonhos
peter o:saga:e
É provável: este foi, há muito tempo, o primeiro Bartolomeu que me chegou às mãos. Azul, capa azul, num livro que dava beleza e musicalidade às montanhas mineiras que tanto lembravam, ao poeta, o mar, o amado nunca visto, mas todo cor e coração vindo só e imenso, no devaneio, para ser adivinhado. AH! MAR... Areia, aspas, um parágrafo amado: “Eu suspeitava o mar me buscando para levar-me marinheiro, quando as águas transbordavam os leitos e dormiam enchentes nos quintais. Vislumbrando, ao longe, fragata sufocada em neblina, oferecia-me farol, cais, ancoradouro.” Pois literatura é. Com sinais de uma devoção inédita, autor súdito da palavra. E eu me descobria leitor, assim embalado: “Sempre vou ser um desejo, se vivo ausente do mar. Não chega a ser marinheiro quem nasce longe de lá. As águas são muito frágeis para quem por sobre terra aprendeu a caminhar.”
AH! MAR..., de Bartolomeu Campos de Queirós, com projeto gráfico de Walter Ono e Mário Cafiero (Quinteto Editorial, 1985), inventa-se outro, juvenil-infantil, no arremesso de cores com André Neves (RHJ, 2007). Leio, então, que “As águas são muito abertas para quem, por sobre veredas, aprendeu a caminhar.”
É provável: este foi, há muito tempo, o primeiro Bartolomeu que me chegou às mãos. Azul, capa azul, num livro que dava beleza e musicalidade às montanhas mineiras que tanto lembravam, ao poeta, o mar, o amado nunca visto, mas todo cor e coração vindo só e imenso, no devaneio, para ser adivinhado. AH! MAR... Areia, aspas, um parágrafo amado: “Eu suspeitava o mar me buscando para levar-me marinheiro, quando as águas transbordavam os leitos e dormiam enchentes nos quintais. Vislumbrando, ao longe, fragata sufocada em neblina, oferecia-me farol, cais, ancoradouro.” Pois literatura é. Com sinais de uma devoção inédita, autor súdito da palavra. E eu me descobria leitor, assim embalado: “Sempre vou ser um desejo, se vivo ausente do mar. Não chega a ser marinheiro quem nasce longe de lá. As águas são muito frágeis para quem por sobre terra aprendeu a caminhar.”
AH! MAR..., de Bartolomeu Campos de Queirós, com projeto gráfico de Walter Ono e Mário Cafiero (Quinteto Editorial, 1985), inventa-se outro, juvenil-infantil, no arremesso de cores com André Neves (RHJ, 2007). Leio, então, que “As águas são muito abertas para quem, por sobre veredas, aprendeu a caminhar.”
10 de agosto de 2011
espelhos sonoros em um nome só
peter o.sagae
No estuário de sons que um nome contém, Bartô promove suas escavações poéticas: coisa, enfeite e canto de inventor mineiro, tirando desse mergulho imagens que nadam de uma ideia a outra. MÁRIO, nome de poeta e menino, é feito de mar e rio, habitado, todo e mágico, por peixes... Do doce som da cachoeira ao choro dá água salgada, o rio encontra o mar. E no caminho? Céu, plantas, nuvens e aves. MÁRIO é também ar... E, tomando cada palavra que emana incessante do próprio curso-discurso, Bartolomeu faz chover literariamente em nossa imaginação o silêncio que o olhar mais raso não viu: debaixo da casca das palavras, um mundo por descobrir. Onde Mário morava? Numa casa coberta de hera? O que ouvia o coração do menino? Barco sem leme é ninho? Ou concha onde repousa um ovo branco como pérola? Com que pena se registra a poesia?
Eu não respondo, mas indico este livro que irradia rumo a outros textos de Bartolmeu Campos de Queirós. MÁRIO foi publicado, pela primeira vez, com ilustrações de Sara Ávila de Oliveira (Miguilim, 1982) e, em sua terceira casa editorial, ganha aquarelas de Lélis (Global, 2009). “Mário agora é farol em alto-mar.”
No estuário de sons que um nome contém, Bartô promove suas escavações poéticas: coisa, enfeite e canto de inventor mineiro, tirando desse mergulho imagens que nadam de uma ideia a outra. MÁRIO, nome de poeta e menino, é feito de mar e rio, habitado, todo e mágico, por peixes... Do doce som da cachoeira ao choro dá água salgada, o rio encontra o mar. E no caminho? Céu, plantas, nuvens e aves. MÁRIO é também ar... E, tomando cada palavra que emana incessante do próprio curso-discurso, Bartolomeu faz chover literariamente em nossa imaginação o silêncio que o olhar mais raso não viu: debaixo da casca das palavras, um mundo por descobrir. Onde Mário morava? Numa casa coberta de hera? O que ouvia o coração do menino? Barco sem leme é ninho? Ou concha onde repousa um ovo branco como pérola? Com que pena se registra a poesia?
Eu não respondo, mas indico este livro que irradia rumo a outros textos de Bartolmeu Campos de Queirós. MÁRIO foi publicado, pela primeira vez, com ilustrações de Sara Ávila de Oliveira (Miguilim, 1982) e, em sua terceira casa editorial, ganha aquarelas de Lélis (Global, 2009). “Mário agora é farol em alto-mar.”
9 de agosto de 2011
à leitura, espelhos no curso do rio
peter o’sagae
Um rio é um livro que corre sorrindo. Cada paisagem, uma página, um reflexo diferente, açúcares de vidro macio. Ler Bartolomeu é buscar a sua respiração num percurso de parágrafos, como que realizando estrofes por onde desliza sua prosa poética. “E o rio passa logo, amarrando com seu comprido leito os campos, povoados, vilas, cidades, nas margens do rio todos se batizam irmãos. Ao receber outros córregos e riachos, mais se soma com outras águas. Com a energia das correntezas, o rio se faz luz clareando ruas, travessas, casas, movendo o mundo.” O que aí temos é um discurso literário passeando em delicada metalinguagem? Um rio que passa e não permite mais repetir o mesmo banho, o batizado mesmo. E, no seu espelho líquido estendendo-se rumo ao mar, sombras, linhas, amarras, aflições, margens provisórias. À leitura do leito, literatura, lavadeiras “desbotando as manchas do trabalho”. Bartô pesca contemplação.
O RIO, texto inédito de Bartolomeu Campos de Queirós, traz desenhos e projeto gráfico de Walter Ono; conta também com o nome de Mario Cafiero na feitura da capa e edição de arte, marcando a estreia da ÔZé Editora, neste agosto de 2011.
Um rio é um livro que corre sorrindo. Cada paisagem, uma página, um reflexo diferente, açúcares de vidro macio. Ler Bartolomeu é buscar a sua respiração num percurso de parágrafos, como que realizando estrofes por onde desliza sua prosa poética. “E o rio passa logo, amarrando com seu comprido leito os campos, povoados, vilas, cidades, nas margens do rio todos se batizam irmãos. Ao receber outros córregos e riachos, mais se soma com outras águas. Com a energia das correntezas, o rio se faz luz clareando ruas, travessas, casas, movendo o mundo.” O que aí temos é um discurso literário passeando em delicada metalinguagem? Um rio que passa e não permite mais repetir o mesmo banho, o batizado mesmo. E, no seu espelho líquido estendendo-se rumo ao mar, sombras, linhas, amarras, aflições, margens provisórias. À leitura do leito, literatura, lavadeiras “desbotando as manchas do trabalho”. Bartô pesca contemplação.
O RIO, texto inédito de Bartolomeu Campos de Queirós, traz desenhos e projeto gráfico de Walter Ono; conta também com o nome de Mario Cafiero na feitura da capa e edição de arte, marcando a estreia da ÔZé Editora, neste agosto de 2011.
2 de agosto de 2011
pela poesia das formas
peter o:sagae
Segredo para as palavras, olhar para as imagens... No embalo de um jogo sensível e inteligente, sem redundâncias ou ocultando belezas, os versos de Ana Maria Machado convidam o pequeno leitor a observar as coisas simples de seu próprio cotidiano, ao lado dos recortes fotográficos de Luiza Baeta: listras, círculos, as varetas do aro na roda da bicicleta, os emblemas e as estampas em vermelho e preto, preto e branco do time de futebol, chuva ou sol, coloridos cabuletês, a sombra lilás, o céu e o chapéu, o balanço azul e sozinho na praça... Fragmentos de nosso mundo e instantes congelados do tempo inspiram um pensamento qualquer, uma vez que o que se vê poderá ser relatado, descrito e descoberto! Em tudo o que por aí existe, há um contorno CURVO OU RETO, OLHAR SECRETO (Global, 2010).
Segredo para as palavras, olhar para as imagens... No embalo de um jogo sensível e inteligente, sem redundâncias ou ocultando belezas, os versos de Ana Maria Machado convidam o pequeno leitor a observar as coisas simples de seu próprio cotidiano, ao lado dos recortes fotográficos de Luiza Baeta: listras, círculos, as varetas do aro na roda da bicicleta, os emblemas e as estampas em vermelho e preto, preto e branco do time de futebol, chuva ou sol, coloridos cabuletês, a sombra lilás, o céu e o chapéu, o balanço azul e sozinho na praça... Fragmentos de nosso mundo e instantes congelados do tempo inspiram um pensamento qualquer, uma vez que o que se vê poderá ser relatado, descrito e descoberto! Em tudo o que por aí existe, há um contorno CURVO OU RETO, OLHAR SECRETO (Global, 2010).
1 de agosto de 2011
aforismos, sem desaforos
peter o'sagae
Eis aí o desafio: nenhum poema realmente ultrapassa três linhas, porém abraça ideias que vão além da própria leitura. É preciso parar para pensar e pensar para não ficar parado, preso a um tempo que já foi presente, agora é passado... A vida, ao poeta, parece curta demais para ser vivida ou lida à força de um twitter, quando em quando, dos seus versos, rescende um tom de antecipada nostalgia. POEMAS PARA LER NUM PULO, com ilustrações de Flávio Fargas (Dimensão, 2009), revela um Leo Cunha bastante filosófico, ainda que bem humorado. Ao perguntar-se onde guardar o futuro, ele define cenas e situações com a poeira da memória que empurra para baixo do tapete... de um tapete voador!
Eis aí o desafio: nenhum poema realmente ultrapassa três linhas, porém abraça ideias que vão além da própria leitura. É preciso parar para pensar e pensar para não ficar parado, preso a um tempo que já foi presente, agora é passado... A vida, ao poeta, parece curta demais para ser vivida ou lida à força de um twitter, quando em quando, dos seus versos, rescende um tom de antecipada nostalgia. POEMAS PARA LER NUM PULO, com ilustrações de Flávio Fargas (Dimensão, 2009), revela um Leo Cunha bastante filosófico, ainda que bem humorado. Ao perguntar-se onde guardar o futuro, ele define cenas e situações com a poeira da memória que empurra para baixo do tapete... de um tapete voador!
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