9 de dezembro de 2010

um trem de sons, palavras e imagens

encontre aí o seu vagão – 1/4


Em 1936, partiu o primeiro café com pão: era e ainda é Manuel Bandeira, com seu “Trem de ferro”, na antologia ESTRELA DA MANHÃ. Tom Jobim, 50 anos depois, musicou o poema. De fato, “Sem ver / o trem / não fica / ninguém.”, escreve José Carlos Aragão, manteiga não, no livro TREM CHEGOU, TREM JÁ VAI (Paulinas, 2003) que Elma ilustrou — por entre territórios de poetas notórios, crianças brincam e viajam na velha-nova poesia.


Dá Bandeira, dá Ana Maria (Machado) no livro UM PRA LÁ, OUTRO PRA CÁ (1985) re-editado com ilustrações de Elisabeth Teixeira (Moderna, 2008). Passam pelo livro paisagens familiares daquele Brasil idílico, calmo, rural, passarinho, passaredo, passarada. E faço coro: “Olha essa jaca, essa jaqueira, / Olha essa imensa ribanceira...” Fruta de qu’eu gosto, miolo doce de sol.


Passa o mundo na janela, passa o mundo tão depressa — e o que vemos é voar uma casa, galinhas, montanhas, cabrito. Parece até que o trem é esquisito, aposta Cláudio Martins com os versos e desenhos de seu livro O QUE O TREM TEM? (Positivo, 2009). Fica então aquela dúvida: autor é tudo doido, ou o que muda mesmo é o lado de olhar? Ara, adivinhem... “Ficou só um passarinho / paradinho lá no ar.”


paragens na ilustração

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Elma com José Carlos Aragão,
Elisabeth Teixeira com Ana Maria Machado,
Helena Alexandrino com Sidónio Muralha...

“Uma paisagem sem trem
é pobre como uma paisagem sem vaca.”




Somente um incrível romance sob as estrelas justificaria porque O TREM CHEGOU ATRASADO, história de galanteios e inspirado non-sense de Sidónio Muralha, ilustrada por Helena Alexandrino (Global, 1998). “Fez tu-tu, tu-tu e partiu, sonhando com o casamento e com os filhos, trens pequeninos, todos malhados, com orelhas de vaca. Malmequer esperou que ele desaparecesse e foi para o estábulo, pensando também no casamento e nos filhos, bezerros robustos, soltando fumaça pelas orelhas e fazendo tu-tu nas curvas da estrada.”

os filhos por outros trilhos

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“Se a gente prestar atenção, consegue entender o que o trem diz na sua canção”, escreve Ana Maria Machado no início de UM PRA LÁ, OUTRO PRA CÁ (1985) com ilustrações de Elisabeth Teixeira (Moderna, 2008). Um apólogo sobre como um vagão e uma locomotiva conquistam (cada qual) a própria autonomia, depois que decidem pela separação. E os vagõezinhos com quem ficou? Entraram em uma oficina e foram transformados: ficaram diferentes, modernos, eletrificados. “Capazes de andar sozinhos.” Mas, de vez em quando, voltam todos a circular em caravana.

porque o livro tem paisagens, recantos e dobras

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“Passa a ponte, passa o rio, passa a fonte, passa a mil”, no trem que não vai, pois já volta: Lá vem o trem...com Nara Salamunes e a visão aérea de Giselle Vargas (Módulo, 1998).

Romance ao fundo, coelho que salta a moldura. É Helena Alexandrino.

“Vem vindo o trem.
Vem rindo o trem,
feliz que vem:
vem nele o meu bem”,
escreveu José Carlos Aragão, ilustrou Elma.

Vitrine Express: Olha o trem!

Resumo do Cenário, 27/02/2008

De Almir Correia, O TREM MALUCO, il. Gustavo Piqueira.


6 de dezembro de 2010

Só um Conto, uma coleção só

Dobras da Leitura 46


À defesa da leitura de textos clássicos, Calvino arrola quatorze definições, das quais me satisfazem — para a apresentação desta ousada coleção — as ideias de persistência de determinadas obras como rumor em contradição com o ritmo da vida atual e de semelhança com os antigos talismãs. A editora Elaine Maritza soube selecionar contos inquietantes de autores consagrados que, antes de promover uma identificação imediata com os jovens leitores, instigam o desafio de atravessar um portal do tempo e da linguagem. É preciso ter a convicção de que a literatura não seja apenas retrato e repetição do cotidiano vivido, nem fantasia que sugere uma viagem de fuga, mas um sussurro que convida à instabilidade de emoções na entrada por velhos cenários.

Os três títulos iniciais da coleção Só um Conto (Artes e Ofícios, 2007) direcionam o leitor rumo a narrativas de breve extensão, mas intenção profunda. E o para-texto, contido nos livros, é bem claro quanto à proposta de compartilhar autores clássicos com o jovem, qualificando-o, então, como "um leitor mais capaz, dispondo de recursos que enriquecerão suas leituras e abrirão possibilidades para a compreensão do mundo e das relações entre as pessoas". As ilustrações e o projeto gráfico ficaram por conta de Tati Móes, dando-nos um objeto para folhear com rara simplicidade e leveza. Seus desenhos elegem poucos elementos das histórias para representar, assumindo o valor de vinhetas, reproduzidas a duas cores e intercaladas ao fluxo do texto, e reforçam o "silêncio" de cada narrativa.


NO MANANTIAL — Fazendo uso do linguajar sul de nosso país, Simões Lopes Neto mistura circunstâncias tensas com imagens de lenda, ao narrar desatinos e desgraças de um amor não correspondido e brutal. Apesar do final trágico e cruel de Maria Altina, no dia de suas bodas, em meio às águas barrentas de um pântano, até hoje, está uma insuspeitada roseira sempre carregada de rosas.

« Sempre dói na alma, mexer nestas lembranças. E há quem não acredite!... A cruz... onde já foi!... mas a roseira baguala, lá está! Roseira que nasceu do talo da rosa que ficou boiando no lodaçal no dia daquele cardume de estropícios... Vancê está vendo bem, agora? Pois é... coloreando, sempre! »


PAI CONTRA MÃE — Não há contrastes sociais que a paleta de Machado de Assis desconheça, mas sua palavra é mesmo implacável com as nuanças, tingimentos e sombras das faces que ilumina: seguimos os passos de um caçador de escravos, um pai que a crise financeira conduz até a roda dos enjeitados para ali abandonar o pequeno filho. Sua esperança por trabalho opõe-se ao sonho de maternidade de uma negra fujona.

« O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi — para lembrar o primeiro ofício do namorado, — tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. »


A MÁSCARA DA MORTE RUBRA — Edgar Allan Poe é considerado o mestre do conto, especialmente das histórias de horror. Ao descrever um inviolável castelo, protegido da peste que dizimava os desafortunados lá fora, o autor recria, com a intermitência dos sons em suas frases, o movimento sensual por sete salas cheias de cor e soberba. Contudo, nenhum aparato fora suficiente para afastar uma presença indesejada...

« O Príncipe Próspero havia orientado, em grande parte, os enfeites sobre os móveis dos sete cômodos para a ocasião da grande festa, e fora a sua própria criatividade que dera inspiração para os mascarados. Acredite, eles eram absurdos. Havia muito brilho, esplendor, sátira e um toque de fantasmagórico... »

2 de dezembro de 2010

dezembro adivinhando Belém

por Peter O’Sagae


“E os dois sairão pelo mundo / que é como um jardim / apenas mais largo / e talvez mais comprido / e que não tenha fim.” — Da poesia em versos, de Cecília Meireles, na companhia das imagens de Lúcia Hiratsuka: O MENINO AZUL (Global, 2004).


“... inaugurando o que andava esquecido. Nas vésperas da noite ela se agasalhava entre as cores do crepúsculo para sonhar constelações. Nas vésperas do dia a menina se cobria com os matizes da aurora para sonhar com o muito depois do azul. Flora, carregada de indagações, passeava pelos prados.” — Da poesia em prosa, de Bartolomeu Campos de Queirós com ilustrações de Ellen Pestili: FLORA (Global, 2009).

o menino azul

Dobras da Leitura 29

Cecília Meireles tinha lindos olhos claros, clarividentes talvez: olhos de quem sabe ver: magias, onde a rima rima fácil feito um sonho faz surgir um menino azul, azul como um desejo aberto; onde o menino encontrará um burrinho manso que saiba conversar e contar histórias...



O MENINO AZUL, poema de Cecília Meireles extraído do célebre OU ISTO, OU AQUILO (1964), é aconchegado em um livro com ilustrações de Lúcia Hiratsuka para a coleção Magias Infantis, dirigida por Edla van Steen (Global, 2004). Atravessando páginas, o pequeno leitor caminha estrofe a estrofe, respirando imagens que conduzem o olhar por uma narrativa silenciosa que ludicamente se adivinhou dos versos: um menino e seu mundo, o céu e o papel azuis, uma lua tão alta e láctea, um burrinho lá desenhado. Então, ele de lá se descola e desloca-se acompanhando rio abaixo, num passeio entre montanhas e flores encarnadas — um mundo de cores para quem ainda não sabe ler.

* Ilustração extraída de [www.luciahiratsuka.com.br]

P.S. Em 2013, o livro passou a contar com as ilustrações de Elma.