17 de abril de 2010


Além das coisas que Alice viu, em suas dulcaloucas aventurosas, as imagens que Alice fatalmente não viu (ou que invoca sobre si mesma) são as mais surpreendentes. Que outra personagem poderia dizer: “Só queria saber o que aconteceu comigo. Quando eu lia contos de fadas, pensava que essas coisas jamais aconteciam, e cá estou eu metida numa dessas histórias! Deve haver algum livro escrito sobre mim, deve haver!” A menina sabe que não deve, nem poderia, se confundir com as personagens de narrativas tradicionais, pois jamais as vira transformando-se tanto quanto ela. Muito tímida sentiu-se ainda mais Alice, sua própria (auto-)imagem ali se diminuindo, face à temida pergunta da Lagarta: Quem é você? “Eu... eu... nem eu mesmo sei, senhora, nesse momento...” Tempos depois, passando para o outro lado do espelho, a dúvida e o medo: “E agora, quem sou eu? Eu quero me lembrar, se puder.” Qual imagem sem passado, ela precisa lembrar-se quem era, a qualquer instante, para não esquecer quem não foi. O que é que Alice esconde?
Igualmente ambígua, tudo e nada, afirmação e negação, ilusão e palavra deceptiva, signo e anti-signo, a anti-personagem assemelha-se a boneca que a criança destrói na ânsia de descobrir o "dentro" ou o "avesso", e experimenta a decepção de se defrontar com o vazio do "dentro", verdadeira gargalhada irônica que aponta com o dedo o sonho louco do "fora", enganosa vestimenta de um nada. (Segolin, 1978: 102)
“Estou decidida a me lembrar.”
“É inútil”, responderá a ela Tweedledum páginas adiante. Parte de um sonho, parte de uma imagem de um sonho — à beira do esquecimento. “Você sabe muito bem que você não é real.”

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