Peter O'Sagae
Quem vê o escuro peneirado de estrelas e ouve os grilos brilhando no capim? Com imagens sensíveis – transmitidas através do desenho e da palavra –, Lúcia Hiratsuka vem tocar a percepção do leitor para as distâncias que unem a terra ao céu, o perto e um horizonte desconhecido, o presente às lembranças. E é assim que as primeiras páginas do livro ilustrado Orie (Pequena Zahar, 2014) mostram o vento a passar, preenchendo a madrugada, uma garça voando em direção ao leste, uma pequenina borboleta branca no alvorecer dos passos de uma menina. Ela é Orie.
Na beira do rio, um barco balança e espera a família, acolhe cestos e fardos, tudo ali parece acomodado. A água dança com os peixes, com o remo que corta o caminho para a viagem acontecer. Então, a cidade chega com suas cores e tanta gente... Orie não sabe por quê é mais demorado voltar para casa! O barco nem parece um berço, o chão é duro. O remo de bambu vai e vem, recorta a água, mas – ninguém apressa o rio...
Lúcia Hiratsuka narrou, com frases curtas (o verbo caminhando sempre no presente do indicativo) e ilustrações singelas (traços sempre muito indiciais com o grafite correndo no sofisticado e rústico papel craft), um tempo de descobertas para a menina Orie, como a primeira viagem de barco para a cidade. É, pois, um tempo que não se apagou da memória e passou da experiência da avó da autora para o imaginário da artista, como uma presença revivida ou uma duração mágica das coisas que jamais terminam.
Pelas antigas paisagens do Japão, sons, cores e sensações despertam em um mundo apto a refazer-se a cada dia. E a narrativa balança serenamente como um pêndulo: o barco vai, o barco vem, o olhar através, as surpresas também...
A vida segue sua viagem e o leitor haverá de encontrar Orie, alguns anos depois, apressando os pés até o rio. Todavia, pai e mãe já partem com o irmão mais novo no colo. O remo toca Orie, os sentimentos a balançam. É um tempo para renovar os afetos, um tempo próprio: eternamente Orie...
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