Eloí Elisabet Bocheco renova com muita suavidade as velhas fórmulas e brinquedos falados da poesia oral de tradição popular; suas narrativas soam como se saíssem do imaginário de nosso folclore.
De doce doce, regalou-se o leitor com a primeira história da bruxinha Elisa — que ganhou um baú que foi da mãe da mãe da mãe de sua mãe... Um baú de longa posse que varia cores, conforme as artimanhas de Eloí Elisabete Bocheco: num dia, é verde salpicado, depois amarelo quindim, lilás estrelado, até mesmo cor de concha recém-encontrada! E dentro do baú está uma caixa com outra caixa dentro. E, dentro, um saco de algodão. E um pote... E um pacote!
Começa assim o mistério do livro O POTE QUE TAVA NO POTE (2003) que traz uma narrativa no embalo da lenga-lenga que faz a história crescer, crescer, crescendo também a curiosidade de quem ouve ou lê. Começa assim o caminho de Elisa que só pode abrir o pacote com a ajuda de uma andorinha, em véspera de lua cheia. Atravessando o Ribeirão do Araçá, a bruxinha pergunta aos animais da mata quem a poderá ajudar. Mas, a Rainha das Abelhas, a Rainha das Corujas, o Rei dos Pardais, o Rei dos Saguis, a Rainha das Borboletas, sempre mandam a menina adiante... “Ai de mim, Rainha da Mina D’água, onde posso encontrar a andorinha Lica em véspera de lua cheia?” Quem é a Rainha da Mina D’água? O que é que ela vai responder?
A bruxinha Elisa precisa ajudar a aranha Tita a organizar uma exposição de tapetes tecidos com finos fios prateados sobre a árvore mais frondosa da mata. Tanta beleza é motivo de alegria para gentes e bichos, mas incomoda, como incomoda Alcina, ai que sina! Por três vezes, a desaforada tenta sabotar a exposição. Por três vezes, Elisa recorre ao baú que pertenceu a sua tatataravó. Do meio dos guardados mágicos, ela encontra uma flauta, um assobio de bambu, uma gaitinha de boca e sopra para longe as artimanhas de Alcina, ai que sina!
CONTRA FEITIÇO, FEITIÇO E MEIO (2006) é o segundo livro de histórias da bruxinha Elisa e ganha apresentação de Elias José que nos pergunta qual o segredo de Eloí Elisabet Bocheco para prender e conquistar leitores. O poeta frisa os recursos buscados pela autora junto aos contos acumulativos, às parlendas e quadras populares, além do fato de a bruxinha não vir descrita na narrativa, caminhando às soltas por nossa imaginação e assim permanecer na “memória afetiva” de quem a conhece. No entanto, há a ilustração: a bruxa-menina ganha fisionomia e cores na aquarela de Mari Ines Piekas — e torna-se interessante notar como a personagem espichou centímetros, cresceu uns pares de anos, de um para outro livro.
Com leveza das palavras, Eloí Elisabet Bocheco oferece ao leitor A CHAVE QUE O VAGA-LUME ALUMIOU (2006) e acende a paisagem do Ribeirão do Araçá onde brinca a bruxinha Elisa. Ela não se cansa, tentando pegar o ligeiro brilho dos insetos que pirilampejam aqui e ali, e mais acolá... Certo dia, um vaga-lume vaga-longe e leva a menina a encontrar uma chave mágica que abre três portas encantadas no Vale dos Jacarandás. Atrás de cada porta, um segredo, uma adivinha, um feitiço que Elisa diligentemente desvenda, adivinha, desata — e, mais uma vez, abrindo suas aventuras, a bruxa-mocinha vai até chegar lá: em cima do morro: na casa com quadros na parede da sala e dos quartos muito arrumados: uma casa com varanda, flor-de-maio, gato dormindo no assoalho e...
Nos contos da bruxinha Elisa, a simplicidade sempre sonora, a estrutura acumulativa da lengalenga; o texto de Eloí é poesia só: polvilhado de jogos lúdicos com as figuras de linguagem — principalmente, figuras de construção e de harmonia que dão acento e ritmo para a voz que conta. Há, pois, um caprichado trabalho de texto para simples ficar. E o ouvido vai ouvindo, vai indo, vai indo, por estes percursos de repetição!
Elisa sabe tocar em sua gaitinha cantigas folclóricas tão ricas e canções que se ouvia no rádio, no tempo dos lampiões. Mas, será que foi vento ou distração? Lá foi a gaitinha pro chão... Bem na touceira da cobra que se desenrola, assanhada só, para cantar e dançar o maçanico. E quem disse que ela arruma namorado? O que ela quer é música com versinho recortado! E canta uma, canta duas, canta quantas nem sei, até que a bruxa se cansa e diz que vai embora. Vai nada, a cobra levada pegou de volta a gaitinha e só devolve fazendo negócio.
Na quarta e última história da bruxinha — GAITINHA TOCOU, BICHARADA DANÇOU (2008), aparece Corina, a cobra criada que cobra o preço de três romãs para devolver o instrumento musical à menina. E sai Elisa pela mata e pisa no rabo de uma escada... E escada lá tem rabo? Ora, tem. Ora, não! Depois, o que tem é brincadeira do meu bule, minha caçarola, minha tigela e meu pé de marmelo, com parlenda daquelas de perguntar e responder. Eloí faz assim mais uma aventura para os pequenos pegarem gosto pela palavra, juntando a espontaneidade dos brinquedos falados com sua pitada de non-sense.
Quanta saudade, assim, a série da bruxinha Elisa vai deixando pelas paisagens mágicas do Ribeirão do Araçá por onde, literariamente, passeamos! É todo o mundo de conto que Eloí encerra feito concha de plantas e bichos guardados num'alma que muito quer se divertir pelas matas e lugarejos brasileiros — apesar dos traços claros, do vestidinho comprido e do chapéu pontudo com que a personagem se mostra nas ilustrações. Debaixo do sol, debaixo da sombra das árvores frondosas, Elisa é uma florzinha brejeira com ânimos de saci solícito ;-) E permanece de um tamanhinho singelo para cada leitor! O reencontro é certo, porque boa lengalenga é coisa pra ir e querer voltar.
* Texto composto para Dobras da Leitura O’Blog. Os livros de Eloí Elisabet Bocheco foram originalmente comentados em quatro resenhas da Vitrine Literária, publicadas no site Dobras da Leitura 20, 31, 42 e 52.
De doce doce, regalou-se o leitor com a primeira história da bruxinha Elisa — que ganhou um baú que foi da mãe da mãe da mãe de sua mãe... Um baú de longa posse que varia cores, conforme as artimanhas de Eloí Elisabete Bocheco: num dia, é verde salpicado, depois amarelo quindim, lilás estrelado, até mesmo cor de concha recém-encontrada! E dentro do baú está uma caixa com outra caixa dentro. E, dentro, um saco de algodão. E um pote... E um pacote!
Começa assim o mistério do livro O POTE QUE TAVA NO POTE (2003) que traz uma narrativa no embalo da lenga-lenga que faz a história crescer, crescer, crescendo também a curiosidade de quem ouve ou lê. Começa assim o caminho de Elisa que só pode abrir o pacote com a ajuda de uma andorinha, em véspera de lua cheia. Atravessando o Ribeirão do Araçá, a bruxinha pergunta aos animais da mata quem a poderá ajudar. Mas, a Rainha das Abelhas, a Rainha das Corujas, o Rei dos Pardais, o Rei dos Saguis, a Rainha das Borboletas, sempre mandam a menina adiante... “Ai de mim, Rainha da Mina D’água, onde posso encontrar a andorinha Lica em véspera de lua cheia?” Quem é a Rainha da Mina D’água? O que é que ela vai responder?
A bruxinha Elisa precisa ajudar a aranha Tita a organizar uma exposição de tapetes tecidos com finos fios prateados sobre a árvore mais frondosa da mata. Tanta beleza é motivo de alegria para gentes e bichos, mas incomoda, como incomoda Alcina, ai que sina! Por três vezes, a desaforada tenta sabotar a exposição. Por três vezes, Elisa recorre ao baú que pertenceu a sua tatataravó. Do meio dos guardados mágicos, ela encontra uma flauta, um assobio de bambu, uma gaitinha de boca e sopra para longe as artimanhas de Alcina, ai que sina!
CONTRA FEITIÇO, FEITIÇO E MEIO (2006) é o segundo livro de histórias da bruxinha Elisa e ganha apresentação de Elias José que nos pergunta qual o segredo de Eloí Elisabet Bocheco para prender e conquistar leitores. O poeta frisa os recursos buscados pela autora junto aos contos acumulativos, às parlendas e quadras populares, além do fato de a bruxinha não vir descrita na narrativa, caminhando às soltas por nossa imaginação e assim permanecer na “memória afetiva” de quem a conhece. No entanto, há a ilustração: a bruxa-menina ganha fisionomia e cores na aquarela de Mari Ines Piekas — e torna-se interessante notar como a personagem espichou centímetros, cresceu uns pares de anos, de um para outro livro.
Com leveza das palavras, Eloí Elisabet Bocheco oferece ao leitor A CHAVE QUE O VAGA-LUME ALUMIOU (2006) e acende a paisagem do Ribeirão do Araçá onde brinca a bruxinha Elisa. Ela não se cansa, tentando pegar o ligeiro brilho dos insetos que pirilampejam aqui e ali, e mais acolá... Certo dia, um vaga-lume vaga-longe e leva a menina a encontrar uma chave mágica que abre três portas encantadas no Vale dos Jacarandás. Atrás de cada porta, um segredo, uma adivinha, um feitiço que Elisa diligentemente desvenda, adivinha, desata — e, mais uma vez, abrindo suas aventuras, a bruxa-mocinha vai até chegar lá: em cima do morro: na casa com quadros na parede da sala e dos quartos muito arrumados: uma casa com varanda, flor-de-maio, gato dormindo no assoalho e...
Nos contos da bruxinha Elisa, a simplicidade sempre sonora, a estrutura acumulativa da lengalenga; o texto de Eloí é poesia só: polvilhado de jogos lúdicos com as figuras de linguagem — principalmente, figuras de construção e de harmonia que dão acento e ritmo para a voz que conta. Há, pois, um caprichado trabalho de texto para simples ficar. E o ouvido vai ouvindo, vai indo, vai indo, por estes percursos de repetição!
Elisa sabe tocar em sua gaitinha cantigas folclóricas tão ricas e canções que se ouvia no rádio, no tempo dos lampiões. Mas, será que foi vento ou distração? Lá foi a gaitinha pro chão... Bem na touceira da cobra que se desenrola, assanhada só, para cantar e dançar o maçanico. E quem disse que ela arruma namorado? O que ela quer é música com versinho recortado! E canta uma, canta duas, canta quantas nem sei, até que a bruxa se cansa e diz que vai embora. Vai nada, a cobra levada pegou de volta a gaitinha e só devolve fazendo negócio.
Na quarta e última história da bruxinha — GAITINHA TOCOU, BICHARADA DANÇOU (2008), aparece Corina, a cobra criada que cobra o preço de três romãs para devolver o instrumento musical à menina. E sai Elisa pela mata e pisa no rabo de uma escada... E escada lá tem rabo? Ora, tem. Ora, não! Depois, o que tem é brincadeira do meu bule, minha caçarola, minha tigela e meu pé de marmelo, com parlenda daquelas de perguntar e responder. Eloí faz assim mais uma aventura para os pequenos pegarem gosto pela palavra, juntando a espontaneidade dos brinquedos falados com sua pitada de non-sense.
Quanta saudade, assim, a série da bruxinha Elisa vai deixando pelas paisagens mágicas do Ribeirão do Araçá por onde, literariamente, passeamos! É todo o mundo de conto que Eloí encerra feito concha de plantas e bichos guardados num'alma que muito quer se divertir pelas matas e lugarejos brasileiros — apesar dos traços claros, do vestidinho comprido e do chapéu pontudo com que a personagem se mostra nas ilustrações. Debaixo do sol, debaixo da sombra das árvores frondosas, Elisa é uma florzinha brejeira com ânimos de saci solícito ;-) E permanece de um tamanhinho singelo para cada leitor! O reencontro é certo, porque boa lengalenga é coisa pra ir e querer voltar.
* Texto composto para Dobras da Leitura O’Blog. Os livros de Eloí Elisabet Bocheco foram originalmente comentados em quatro resenhas da Vitrine Literária, publicadas no site Dobras da Leitura 20, 31, 42 e 52.
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