17 de abril de 2013

no entanto, mais antenadas

peter o.o sagae*


Desde outros tempos, uma formiga que era só formiga e uma cigarra que era só cigarra se encontraram — e a gente bem sabe no que isso deu. Contudo, mais sábias e antenadas, as novas gerações de formigas e cigarras pertencem a duas interessantes espécies de experiências poéticas: são formigarras e cigamigas que, por aí, andam, tanto, tanto, na terra e no ar, contando histórias de outros tempos...


Ora, se é verdade que a cigarra continua cigana, é também cigamiga, sem abrir mão da capacidade de sonhar e viver seresteira. Por sua vez, a formiga continua com garra e muito arrumadeira, mas não corre mais risco de morrer de enfarto formigante: virou, por que não, a dona da festa, virou fogueteira! É assim que Gloria Kirinus relê a antiga fábula no livro-poema Formigarra Cigamiga, com ilustrações e projeto gráfico de Guilherme Zamoner (Braga, 1993). A autora propõe um saber com sabor e relembra, na interna de capa, a presença garantida da história nos velhos livros escolares como um terreno privilegiado para louvar os esforços da formiga – tão útil, ordeira, trabalhadora, contribuindo para o progresso, como toda criança deveria ser... Se não tivesse sido invadida pelo canto da cigarra, confessa Gloria, ela mesma não teria o destino da poesia.


O livro, INFELIZMENTE fora de catálogo, possui duas portas de entradas: um lado mais Cigamiga, outro lado mais Formigarra. Essa brincadeira se deve ao projeto gráfico de Zamoner que trabalha com o suporte material e também com a espacialidade da escrita sobre o branco da página, pondo em destaque os paralelismos sintáticos, as anáforas e as repetições de rimas e aliterações que os versos carreiam... Formigarra e Cigamiga viram de um lado para o outro, com óculos estranhos, roupas balofas e sapatos extravagantes... Mas, veja você: rumo a um derradeiro encontro, bem no centro do livro, uma cigarra e várias formigas desenhadas realisticamente evocam a natureza primitiva: que histórias hoje elas poderiam contar?


* Texto extraído de Dobras da Leitura 39, novembro de 2006.

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