22 de junho de 2012

lá, onde começava a ponta do mar

Temporada de contos e recontos, 4
postagem cifrada por peter # sagae


Os portugueses inventaram coisas, como inventaram... Um mar só deles, um país que se jangadou do continente restante, e terras, muitas terras a serem descobertas no fim de uma longa viagem. Também inventaram contar histórias de outros povos com seu jeito único de fazer e desfazer da inteligência dos outros. Inventaram João Ratão, João Grilo, João Pequenito e Pedro de Malas-Artes que era antes outro Urdemalas, e antes outro Jean Mâchepied, e antes outro Till Eulenspiegel ou Giufa, e antes outro rosto jovem de moral torta e duvidosa... Sim, a Esperteza viajou terras, serras, montanhas, estradas, estrelas, e não é um invenção portuguesa, mas um traço de luta, alegria, sátira e revolta, às vezes, contra os grandes do mundo, contra este ou aquele que oprimia os simples dos povoados, contra quem deveria ter telhado de vidro e caía, sim, numa esparrela à toa.

E são bem histórias assim que compõem o pequeno DEZ CONTOS DO ALÉM-MAR, livro organizado por Ana Carolina Carvalho, com ilustrações de Taisa Borges (Peirópolis, 2010), a partir do acervo registrado pelos folcloristas Adolfo Coelho e Teófilo Braga, no finalzinho do XIX.


Acasos permitem o faminto João Ratão descobrir os “fiéis” criados que haviam roubado o rei, mas ele não fica sem beber, sem saber, um copo cheio de mijo de porca... De adivinhas capciosas, escapam Frei João sem Cuidados e um moleiro disfarçado de frade, diante de um rei que não era cego, mas não tinha olhos para ver, pensando que tudo sabia! Espertas também andam as velhas, três fiandeiras que fiam a felicidade da moça que só quer casar-se bem... E, naquela terra que inventou de ser a última flor do Lácio, não há jovem coitadinha que não consiga ir ao baile, com vestidos azul e cinzento, azul e prateado, azul e dourado, tal é a Linda Flor que vai colocar o rei de quatro. E tem mais tolices, jogos, desencontros, vento a favor, sopa de pedra, raposinha gaiteira e quem mais consiga mandar pais e irmãos ao palácio para dar-lhes os mais altos cargos...


Ora, histórias! Para dar conta dos nossos danos morais, estas narrativas transmitem vivamente ainda uma noção que permitiu ao espírito coletivo perdoar sempre, sempre a ausência de escrúpulos por um pouco de troça. Ou não. Esta é só uma chave. De interpretação.

Mas, talvez o último conto da coletânea traga uma advertência sincera, daquelas terras, onde o rei não andava nu... era só uma vez o seu filho nascido e fadado a ter orelhas de burro! Soube disso o barbeiro nas horas quantas de fazer a barba do menino. E foi o homem ao padre: “Eu tenho um segredo que me mandaram guardar, mas eu se não o digo a alguém morro, e se o digo o rei manda-me matar.” Pois vai ele cavar um buraco para esgotar o que sabia falando lá dentro – mas, passa o tempo, crescendo o verde verde de uma nova plantação e, um dia, a Verdade subiriam no sopro das gaitas que deram voz ao canavial.


Agora, vocês, que assobiem e pensem: quem deu pra inventar, lá longe, onde começa a ponta do mar... Adivinhou, adivinhão?

Um comentário:

  1. Olá Peter,
    Gostei muito de sua resenha e de seu olhar para os dez contos do além do mar.
    Um grande abraço,
    Ana Carolina Carvalho

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