8 de dezembro de 2014

aguçado zelo

Dezembro, tempo de verso


Fazer poema de bichos, flores e estações do ano para crianças não é tarefa fácil. É preciso que o autor tenha lido e aprendido os versos de outros poetas – e depois esquecido as mais interessantes associações de sons, imagens e ideias a fim de não se tornar um escritor ‘protocolar’, preenchendo e quebrando linhas, copiador. Bastaria talvez apreender um jeito de lidar com as palavras, mas principalmente colocar-se sob o mesmo horizonte de textos e olhares que detém seu futuro leitor. Ora, tenho três livros de João Proteti que vim guardando, e aguardando um momento de escrever a respeito de seu trabalho.

Comecemos com um título ao gosto do oximoro, figura de linguagem que aproxima palavras discordantes: SILENCIOSO ESCARCÉU, uma coleção de haicais com ilustrações de Meri (Papirus, 2010) que também falam de infância, natureza e cidade. Com singeleza e sugestão de cor, recolho três exemplos:
Chegou o entardecer –
nos ninhos, os quero-queros
e o verbo bem-querer.

Defeito perfeito –
um pavão que fica sempre
com a cauda em leque.

O jogo de opostos parece ser uma das apostas de João Proteti, igualmente no livro CLASSIFICADOS DESCLASSIFICADOS (Papirus, 2011) que ele mesmo ilustrou, revelando um trabalho gráfico com a imagem bastante divertido.


Os temas giram em torno de um humor que se poderia dizer “ecológico existencial”, brincando com os aparentes absurdos da realidade – porém, traduzindo, uma complexa rede identitária. Poemas para bichos, plantas, reservas de mata, rios... e cidades, pontes, estacionamentos e estações de metrô!
Rio solicita
a quem se distraiu
e perdeu um sofá,
que, por gentileza,
o venha retirar.
Está em sua margem esquerda,
enroscado no que sobrou
do frondoso pé de ingá.

De brinde, pode levar
todas as outras desumanidades
que estão por lá.

Por fim, RINDO ESCONDIDO (Papirus, 2012) também com ilustrações do poeta. Nesta antologia, os versos conquistam maior fluência sobre figuras de linguagem e animais há muito tempo já conhecidas do público – no entanto, com renovado fôlego e expedientes que despertam facilmente o riso do leitor. Merecem atenção, entre outros, “Complementares”, “O leão e o vento” e...
CHUVA RÁPIDA

— Papel não combina
com chuva! —
resmungou a tartaruga.

E guardou rapidinho
o livro de poesia
sob a casca dura.

E por garantia
ainda abriu
o guarda-chuva. 
Um novo ano + poético para você:
2015 com os versos de João Proteti.

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