17 de janeiro de 2015

naquele dia, naquela noite

Peter O’Sagae


Na poesia de Gloria Kirinus, quase sempre encontro um diálogo com as formas e as forças da natureza, as montanhas, os desertos, as chuvas, a lua e as estrelas, através de seu olhar de contemplação e espanto, como quem se habituou a buscar nas paisagens o caminho para as lembranças de casa, a sua primeira casa.


E assim cores e saudades despertam com o texto O GALO CANTOU POR ENGANO (1997), em uma nova edição com aquarelas vibrantes de Cris Eich (DCL, 2014). Em versos livres, ritmo brando, o poema narrativo começa com as dúvidas e a estranheza de um dia que virou noite.

Foi o sol que se escondeu atrás da lua para um descanso, ou foi a lua que ocultou a imensa cabeleira do sol com seu manto de prata? O que teria acontecido, seria o fim do mundo que começa com a escuridão?



Naquele dia, naquela noite, enfim, até as crianças deixaram a sala de aula para ver o que se passava: um extraordinário eclipse, com seu manancial de estrelas e a lição de um alfabeto diferente para descrever os antigos mistérios do céu. Mas... Com a confusão, também os animais trocaram o dia pela noite, extravagantes, dobrando suas tarefas: a galinha botou um novo ovo com clara em ponto de lua e o galo cantou, por engano.


Gloria Kirinus divide o poema em três partes – um dia de dúvidas, uma noite de invenções e o estabelecimento de novos modos de olhar, sentir e pensar a ordem e a transitoriedade das coisas no mundo. Contudo, não são três momentos distintos. Existe aí, contra o fluxo do relógio, a simultaneidade, o jogo dos pontos de vista, as analogias, o eclipse que celebra o encontro dos opostos rotineiros, o humor como solução. Tudo é interlúdio, e não haverá enganos para quem aprende a cantar poesia!

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