A propósito do livro de Sônia Barros: NAS ASAS DO HAICAI, com desenhos de Angela-Lago (Aletria, 2016), encomendo chuva. Que a poesia desça quente agora no inverno e amiga nas demais estações. E tenhamos olhos de voar, uma vez que
Este livro é vivo,Este livro... tem feitio de ABC, onde tudo repentinamente se move: seres da natureza, objetos inanimados e coisas também invisíveis – a fofoca e a web à nossa volta. E, livro dentro do livro, no desenho da letra, este
em cada haicai um voo
terno ou divertido.
Livro se transforma
em tapete voador
quando tem leitor!
Vem do prefácio, no entanto, a melhor lição. Sônia Barros sobrevoa nomes que a precederam na aventura do haicai. “Aqui no Brasil, grandes poetas contribuíram para divulgar a arte do haicai, como, por exemplo, Guilherme de Almeida, Paulo Leminski, José Paulo Paes, e, ainda hoje, Leo Cunha, Alonso Alvarez, Nelson Cruz, Angela Leite de Souza e outros.”
Para uns, esta forma especial de poesia é uma pintura em palavras em rápidos movimentos que traduzem as transformações dos seres da natureza e do próprio homem, sem jamais o poeta deixar confessos um pensamento particular ou seus sentimentos. O haicai, em sua origem, é um estado de contemplação, exercício ainda possível mesmo em meio ao tremor e o murmurejo urbanos. É preciso manter-se zen.
Para outros, importa a originalidade, uma vez que o léxico de imagens de animais, plantas e fenômenos da natureza tende à repetição através dos séculos – e é preciso renovar. Assim, na escolha de temas, ocidentalizando-se, o haicai tem abandonado a atmosfera aparentemente despreocupada para alcançar algo mais: humor, ficção sensualidade, crítica social.
Vale a pena rever.
Guilherme de Almeida, em MEUS VERSOS MAIS QUERIDOS (1967) retoma cinco haicais publicados em POESIA VÁRIA (1947) e é, deste volume anterior, que a Internet me traz uma CHUVA DE PRIMAVERA.
Vê como se atraemEntão, Paulo Leminski – LA VIE EN CLOSE (Brasiliense, 1991) –
nos fios os pingos frios!
E juntam-se. E caem.
chove no orvalhoUm pulo no JARDIM DE HAIJIN, livro para jovens leitores de Alice Ruiz S (Iluminuras, 2010) PNBE 2012 –
a chave na porta
como uma flor no galho
dia de chuvaHaijin é a pessoa que faz haicais ou HAI-KAIS, como o irreverente Millôr Fernandes (L&PM Pocket, 1997), com sua métrica e velocidades próprias:
orquídeas na cozinha
espiam pela janela
Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
Então troco José Paulo Paes por Maria José Palo, para entrar na poesia para crianças com a lembrança do livro HISTÓRIAS EM HAI-KAI (Vale-Livros, 1992), em parceria com a artista plástica Kris Palo na composição visual, que se inicia com uma chuva de sementes coloridas semioticamente reais:
eu te ofereço:
sementes de luz e cor
no fundo do mar!
E logo colhemos, das mãos de Angela Leite de Souza, TRÊS GOSTAS DE POESIA, primeiramente com ilustrações de Marilda Castanha (1995) e depois com Lúcia Hiratsuka (Moderna, 2002).
Lá vai meu boné
volteando pelo céu...
Cabeça-de-vento!
Esta é a chuva que um livro dispara em nossa mente, em uma nuvem carregada de poetas, cada qual com seu posto-espírito de observação e... metalinguagem também, como neste haicai dos HAICAIS PARA FILHOS E PAIS, de Leo Cunha, um livro “recortado” [espie] com amostras de cor por Salmo Dansa (Record, 2013) –
As quatro estações
não moram nos calendários
e sim nos haicais.
Nas asas do verso, termino PREGUIÇOSO que só:
Levanto-me cedo...
Deus condói-se e manda chuva,
num livro adormeço.
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