22 de outubro de 2017
SIMPLESMENTE
Querida amiga,
um dia nossas mãos se entrelaçaram e ouvi o silêncio que vinha de seu coração vaidoso, assustado, forte e intempestivo. Você me leu o destino nessas linhas que carregamos na própria palma... Não, não era você, era uma cigana de nome sonoro. Rimos. Talvez fosse o reencontro de outras vidas ou mesmo um desses jogos que inventamos para afastar o medo que habita o mundo e, de repente, vem e nos pega no colo.
Se existia muito antes essa espécie de amor, uma devoção que se traduzia nos assuntos em torno dos livros para crianças, houve, naquele instante, a certeza de que seu sorriso era uma linguagem de longa data apreendida para nos curar. No lugar de Angela Lago, era possível vislumbrar outras psiques à beira da vertigem encantada pelo nascer, morrer, viver além das fronteiras comuns. Você, querida amiga, como quem escolheu dizer-se nau frágil, agora contudo evolui rumo ao sem limites.
Aguardarei notícias, claro – sei que os recados chegarão de imprevisto, assim que puder vir e contar alguma coisa do eterno. Mas penso também: qual outro segredo você guardaria que não estivesse já nas histórias que recontou e desenhou, nos seus poemas e reflexões? Jamais deixarei de ouvir Bach sem ter o acompanhamento de suas imagens. E suas mãos celestiais, suas mãos me dirigem hoje a esta fotografia com sua figura tênue e tenaz, passageira entre cânticos amáveis.
Também tenho palavras suas para compartilhar com outros amigos, minha amiga. Que possamos responder com alegria a esta viagem que é uma folha, uma abertura entre duas páginas. Simplesmente.
“Tenho a impressão que o conto “O Livro de Areia”, de Borges, adivinhou a Internet. Adivinhou também meu trabalho, que começa aos sete anos, assim que aprendo a escrever, e vai se transformando vida afora, sem nunca se concluir. Há uma beleza e um fascínio no livro de Borges que sei que não irei alcançar... Basta que ao final a folha se perca na floresta. Que é o melhor lugar para perder uma folha. E meu livro se perca na biblioteca que não termina.”
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* Foto de Angela Lago (17 de dezembro de 1945 - 22 de outubro de 2017) durante a abertura da exposição Linhas de Histórias, realizada no Sesc Belenzinho, em São Paulo, 12 de julho de 2011.
** O depoimento da autora, quase sempre desejando ser breve ao falar de si e de seu trabalho, tomei em entrevista em 2014 para introduzir o artigo “O livro ilustrado, uma invenção que nunca termina”, reunindo três outros textos seus.
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