Peter O’Sagae*
Será que a morte sente saudades quando a gente parte? Talvez o pato da história de Wolf Erlbruch pudesse fazer essa pergunta depois de alguns dias na companhia da morte de sorriso sempre amigo que seguia os seus passos.
Contudo, justamente ela, justamente com ele, aprendeu a mergulhar no lago, ter alguém para conversar e esquentar seu corpo, ver o mundo de cima de uma árvore... Até que o dia em que o pato deitou para descansar – e não mais acordou!
Com uma delicada trama ao gosto das fábulas, apólogos e parábolas, profundamente filosófica, simples e poética, sobre os sentidos que a vida possui para cada pessoa ou ser, o leitor encontrará o amparo que a amiga morte fez ao companheiro, nas páginas finais, ao deitar corpo leve no curso do rio e pousar em seu peito uma tulipa e, por pouco, muito pouco, não ficar triste. Porque assim é vida, feita de encontros que nos fazem estar mais próximos de quem se gosta.
O PATO, A MORTE E A TULIPA, de Wolf Erlbruch e ilustrações do próprio autor, tradução de José Marcos Macedo (Cosac Naify, 2009) é uma obra para leitores de todas as idades, sem sombra de dúvidas.
* Especial para a Bibliografia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil 2009, produzida pela BIJ Monteiro Lobato de SP.
31 de outubro de 2013
29 de outubro de 2013
portos de consolação
Peter O’Sagae
O diálogo da criança com a morte tornou-se um dos temas mais requisitados na produção dos últimos anos. Obviamente, por um viés distinto de algumas tradições e estratégias literárias que jamais exilaram a morte das narrativas. É assim que – a despeito da morte que regenera o mundo nos antigos mitos, a morte simbólica ou punitiva do males morais nos contos populares, a morte em série e despersonalizada nas novelas policialescas, a morte afetiva e filosófica das novelas, a morte ricamente dolorosa porque estruturadora da personalidade nas obras clássicas –, agora, nos livros, a morte, por vezes, é acolhida e amealhada pelo discurso da autoajuda na ficção para crianças, o que revela muito mais a inquietação do escritor e seu leitor adultos.
Sabemos que as coisas que fazem o coração transbordar não possuem traduções objetivas em palavras ou imagens. Mas exatamente aí, na impossibilidade de comunicar determinadas experiências, a literatura tem o seu propósito de evocar sentimentos e trazer para perto de nós o que é singelamente singular... De modo contrário, as explicações necessitam abstrair de múltiplas vivências um caráter geral, generalíssimo e compreensível a todos. Desconfiamos. Uma resposta – ou concepção de morte – não estará inteiramente nos livros, senão nas pessoas que a possuem previamente por alguma intuição, ou esperança, e vêm buscar nesta ou naquela literatura mais poética, científica, psicológica, espiritualista, religiosa ou pedagógica, seus portos de consolação.
Alguns títulos que Dobras da Leitura recebeu...
A MENINA, A VACA E O AVÔ, de Luís Pimentel com ilustrações de Rosinha (Positivo, 2011), transmite, ao final da história, uma visão finita da existência. Tudo nasce, vive a infância e a vida adulta, e naturalmente tudo acaba. Sem a companhia do avô, a menina vê a vaca crescendo, de bezerra a novilha, vê a vaca envelhecendo. E um rio, seguindo o próprio curso, vê a moça vendo a vaca seguir ao encontro do avô. Explica o narrador que “os dois estão guardados bem próximos um do outro, num pedaço de terra que se espalha entre o pasto e o rio.”
AGRIDOCE NOSTALGIA, de Tatiana Belinky e Elisabeth Teixeira (Paulinas, 2011), apresenta um depoimento organizado em versos. Quando era pequena e caía, não havia motivos para chorar porque o pai cuidava dos machucados – que feriam tão por fora – com sorriso e proteção. Era um tempo de desconhecer dor que viesse do medo de estar só, completamente só... Até o dia funesto, como ela diz, e o chão desapareceu sob seus pés! Jorrou o pranto sentido e, então, ela ouviu: “Venha cá que eu te levanto!” Era a voz do pai acudindo-a, qual acalanto, da desolação.
RECADO DA CHUVA, de Célia Cris Silva e Rogério Coelho (Vida e Consciência, 2011), faz contraponto entre a cinzenta paisagem fora de casa e o acolhimento doméstico que aquece a companhia de mãe e filha, brincadeiras, abraços, chá, bolinho de chuva, olhar para dentro do coração e perceber o mundo que, ali dentro, se pensa e sente. A filha cresce, sai de casa; num dia futuro de chuva, a morte da mãe será compreendida como uma viagem, longa, sem volta, que, no entanto, recomenda lembranças e sentimentos alegres dos dias bem vividos.
O diálogo da criança com a morte tornou-se um dos temas mais requisitados na produção dos últimos anos. Obviamente, por um viés distinto de algumas tradições e estratégias literárias que jamais exilaram a morte das narrativas. É assim que – a despeito da morte que regenera o mundo nos antigos mitos, a morte simbólica ou punitiva do males morais nos contos populares, a morte em série e despersonalizada nas novelas policialescas, a morte afetiva e filosófica das novelas, a morte ricamente dolorosa porque estruturadora da personalidade nas obras clássicas –, agora, nos livros, a morte, por vezes, é acolhida e amealhada pelo discurso da autoajuda na ficção para crianças, o que revela muito mais a inquietação do escritor e seu leitor adultos.
Sabemos que as coisas que fazem o coração transbordar não possuem traduções objetivas em palavras ou imagens. Mas exatamente aí, na impossibilidade de comunicar determinadas experiências, a literatura tem o seu propósito de evocar sentimentos e trazer para perto de nós o que é singelamente singular... De modo contrário, as explicações necessitam abstrair de múltiplas vivências um caráter geral, generalíssimo e compreensível a todos. Desconfiamos. Uma resposta – ou concepção de morte – não estará inteiramente nos livros, senão nas pessoas que a possuem previamente por alguma intuição, ou esperança, e vêm buscar nesta ou naquela literatura mais poética, científica, psicológica, espiritualista, religiosa ou pedagógica, seus portos de consolação.
Alguns títulos que Dobras da Leitura recebeu...
A MENINA, A VACA E O AVÔ, de Luís Pimentel com ilustrações de Rosinha (Positivo, 2011), transmite, ao final da história, uma visão finita da existência. Tudo nasce, vive a infância e a vida adulta, e naturalmente tudo acaba. Sem a companhia do avô, a menina vê a vaca crescendo, de bezerra a novilha, vê a vaca envelhecendo. E um rio, seguindo o próprio curso, vê a moça vendo a vaca seguir ao encontro do avô. Explica o narrador que “os dois estão guardados bem próximos um do outro, num pedaço de terra que se espalha entre o pasto e o rio.”
A MENINA E O SOL, de Constança Lucas e Júlio Gonçalves Dias (Formato, 2011), reforça a ideia de um segundo céu para os mortos, lugar que não se vê como as estrelas ofuscadas à luz do sol. Nesse outro céu, está a avó da menina – e ainda que muito insista em querer espiá-la, se iria conseguir subindo nos ombros do pai, no telhado, procurando de binóculos ou lanterna, de olhos bem abertos... As respostas da mãe são sempre curtas e negativas; há um súbito desvio na conversa com o convite da mulher para irem tomar sorvete: o que logo se compreende é a dificuldade do adulto em lidar com a saudade.
AGRIDOCE NOSTALGIA, de Tatiana Belinky e Elisabeth Teixeira (Paulinas, 2011), apresenta um depoimento organizado em versos. Quando era pequena e caía, não havia motivos para chorar porque o pai cuidava dos machucados – que feriam tão por fora – com sorriso e proteção. Era um tempo de desconhecer dor que viesse do medo de estar só, completamente só... Até o dia funesto, como ela diz, e o chão desapareceu sob seus pés! Jorrou o pranto sentido e, então, ela ouviu: “Venha cá que eu te levanto!” Era a voz do pai acudindo-a, qual acalanto, da desolação.
TATI É ESPECIAL, de Jean-Claude R. Alphen (Scipione, 2011), busca pela mensagem transcendente das estrelas que já se apagaram... “embora continuemos a ver sua luz”. Entre o discurso científico e a metáfora, Juca questiona como os seres e as coisas também podem morrer e desaparecer, deixando de si, um brilho especial. Tão importantes são as pessoas – e Tati – e sua conclusão é que ninguém deixa de existir de verdade, mas vira estrela no céu, sempre triste e maravilhoso para ser observado, despertando lembranças de quem partiu.
RECADO DA CHUVA, de Célia Cris Silva e Rogério Coelho (Vida e Consciência, 2011), faz contraponto entre a cinzenta paisagem fora de casa e o acolhimento doméstico que aquece a companhia de mãe e filha, brincadeiras, abraços, chá, bolinho de chuva, olhar para dentro do coração e perceber o mundo que, ali dentro, se pensa e sente. A filha cresce, sai de casa; num dia futuro de chuva, a morte da mãe será compreendida como uma viagem, longa, sem volta, que, no entanto, recomenda lembranças e sentimentos alegres dos dias bem vividos.
SEMPRE PERTO, de Stéphane Servant e Aurélia Fronty, com tradução de Adilson Miguel (Scipione, 2011), é uma tessitura poética, ao som da imagem parampá-pam-pam de um tambor estampado com um coração rubro, na primeira página, e cuja narração se deixa tocar por uma linguagem direta e subjetiva que desdobra a primeira pessoa: “Naquela manhã, soprou um vento muito forte, soprou tão forte... que levou mamãe.” E a sinestesia da memória faz da cidade um labirinto por onde o menino reencontra os gestos maternos que o vento espalhou, mas não levaria jamais embora o abraço apertado que a mãe vem lhe dar. Em seus sonhos.
Dobras da Leitura O'Blog tem [+]
Constança Lucas,
Editora Positivo,
Elisabeth Teixeira,
Formato Editorial,
Jean-Claude R. Alphen,
Paulinas,
Portos de Consolação,
Rogério Coelho,
Rosinha,
Scipione,
Tatiana Belinky
26 de outubro de 2013
“A fé, o olhar para o céu”
Peter O’Sagae
Contar estrelas, MIL E UMA ESTRELAS, com Marilda Castanha (Edições SM, 2011), e depois sonhar histórias. Mil e uma noites, mil e uma aventuras, e uma menina de pijama, livro ou travesseiro debaixo do braço, tanto faz, na direção de um sonho ensolarado. Chô, tutu e jacaré, chô, pavão! A menina equilibra-se sobre um cavalinho de asas e voa no seu próprio carrossel, de olhos fechados, confiante.
“Mas uma noite, quando foi contar as estrelas... não encontrou nenhuma.”
Entre essa noite e o dia seguinte, ocorre um instigante intervalo. Como é dormir sem estrelas e sem histórias? O narrador não se deteve na dúvida ou qualquer comentário a respeito dos sentimentos da menina, sobre o medo ou a certeza de encontrar uma solução assim que acordasse. A pergunta engancha-se apenas no leitor, de acordo com seu perfil, ao virar a página da noite para o dia...
Pois a menina pegou o caminho tosco, torto e torturante até uma gruta escura onde morava o Ogro Gigante, único capaz de alcançar a lua. E não que ela estava certa?
As estrelas todas do céu lá estavam para seu espanto, na gruta do ogro, pois ele, sim, tem medo, medo, medo do escuro. E aí está o segredo da delicadeza e da solicitude: a mão da menina estenderá uma flor para o gigante, mas seus pensamentos estendem muito mais porque o entendem. Assim, quando anoiteceu, a menina contou as estrelas, travesseiro ou livro debaixo do braço, melhor ela faz, na direção da noite reluzente, no caminho torto, ela toda confiante, entrou na gruta para compartilhar histórias – e o Ogro Gigante ouviu e dormiu, sonhou com mil e uma estrelas!
Sim, sim, sim, o resumo do livro aí está... com as palavras mais simples que consegui encontrar. Minha criança está feliz, meu espírito também. Marilda Castanha narra e brinca com as figuras da palavra e da ilustração com extrema facilidade, levando-nos por uma história que se utiliza de recursos poéticos tão fortes e precisos e, quem diria, tão caros ao barroco. Signos visuais e verbais reverberam e espelham-se entre si, pela repetição e pela substituição, pelas oposições que dão origem ao quiasmo, ou cruzamento, que é um ponto de encontro/equilíbrio entre o que se vê aparente, mas conduz a uma descoberta.
É assim que jogamos com a leitura de um retângulo que ora é travesseiro, no início, ora é um livro, nas páginas finais. Repetição de geometrias, montanha-trama ou cama, substituição da estamparia da fronha toda xadrez por letras diversas. E vem mais. Oposições temáticas: noite e dia, azul e amarelo: oposições cromáticas, compartilhamentos que sustentam a existência de sombras na luz, de brilhos no escuro... Contar estrelas e contar histórias, como uma atividade essencial e interminável.
Ora, o diálogo na literatura para crianças deveria sempre vir com essa multiplicação de cantos e vozes por onde as crianças pudessem entrar e ouvir a travessia dos significados. Entrar, ouvir e aprender sem lições de escola ou análises... MIL E UMA ESTRELAS, o livro, traz uma narrativa simples em seu tema e linguagem, confiante, porém, na experiência dos leitores mediante ao uso da ilustração, da melodia e da palavra, permitindo uma atividade de reflexão livre e sonhadora, da narrativa ao céu onde habitam nossos pensamentos. Para vencer o escuro medo da solidão.
P.S. O título da postagem, entre aspas, vem de Santo Agostinho.
P.S. 2. Infelizmente, o livro já aparece como "produto indisponível" na Livraria Cultura e não foi localizável dentro do site de Edições SM, em 26/10/2016. Nossa sugestão é usar o link para a Estante Virtual.
Contar estrelas, MIL E UMA ESTRELAS, com Marilda Castanha (Edições SM, 2011), e depois sonhar histórias. Mil e uma noites, mil e uma aventuras, e uma menina de pijama, livro ou travesseiro debaixo do braço, tanto faz, na direção de um sonho ensolarado. Chô, tutu e jacaré, chô, pavão! A menina equilibra-se sobre um cavalinho de asas e voa no seu próprio carrossel, de olhos fechados, confiante.
“Mas uma noite, quando foi contar as estrelas... não encontrou nenhuma.”
Entre essa noite e o dia seguinte, ocorre um instigante intervalo. Como é dormir sem estrelas e sem histórias? O narrador não se deteve na dúvida ou qualquer comentário a respeito dos sentimentos da menina, sobre o medo ou a certeza de encontrar uma solução assim que acordasse. A pergunta engancha-se apenas no leitor, de acordo com seu perfil, ao virar a página da noite para o dia...
Pois a menina pegou o caminho tosco, torto e torturante até uma gruta escura onde morava o Ogro Gigante, único capaz de alcançar a lua. E não que ela estava certa?
As estrelas todas do céu lá estavam para seu espanto, na gruta do ogro, pois ele, sim, tem medo, medo, medo do escuro. E aí está o segredo da delicadeza e da solicitude: a mão da menina estenderá uma flor para o gigante, mas seus pensamentos estendem muito mais porque o entendem. Assim, quando anoiteceu, a menina contou as estrelas, travesseiro ou livro debaixo do braço, melhor ela faz, na direção da noite reluzente, no caminho torto, ela toda confiante, entrou na gruta para compartilhar histórias – e o Ogro Gigante ouviu e dormiu, sonhou com mil e uma estrelas!
Sim, sim, sim, o resumo do livro aí está... com as palavras mais simples que consegui encontrar. Minha criança está feliz, meu espírito também. Marilda Castanha narra e brinca com as figuras da palavra e da ilustração com extrema facilidade, levando-nos por uma história que se utiliza de recursos poéticos tão fortes e precisos e, quem diria, tão caros ao barroco. Signos visuais e verbais reverberam e espelham-se entre si, pela repetição e pela substituição, pelas oposições que dão origem ao quiasmo, ou cruzamento, que é um ponto de encontro/equilíbrio entre o que se vê aparente, mas conduz a uma descoberta.
É assim que jogamos com a leitura de um retângulo que ora é travesseiro, no início, ora é um livro, nas páginas finais. Repetição de geometrias, montanha-trama ou cama, substituição da estamparia da fronha toda xadrez por letras diversas. E vem mais. Oposições temáticas: noite e dia, azul e amarelo: oposições cromáticas, compartilhamentos que sustentam a existência de sombras na luz, de brilhos no escuro... Contar estrelas e contar histórias, como uma atividade essencial e interminável.
Ora, o diálogo na literatura para crianças deveria sempre vir com essa multiplicação de cantos e vozes por onde as crianças pudessem entrar e ouvir a travessia dos significados. Entrar, ouvir e aprender sem lições de escola ou análises... MIL E UMA ESTRELAS, o livro, traz uma narrativa simples em seu tema e linguagem, confiante, porém, na experiência dos leitores mediante ao uso da ilustração, da melodia e da palavra, permitindo uma atividade de reflexão livre e sonhadora, da narrativa ao céu onde habitam nossos pensamentos. Para vencer o escuro medo da solidão.
P.S. O título da postagem, entre aspas, vem de Santo Agostinho.
P.S. 2. Infelizmente, o livro já aparece como "produto indisponível" na Livraria Cultura e não foi localizável dentro do site de Edições SM, em 26/10/2016. Nossa sugestão é usar o link para a Estante Virtual.
23 de outubro de 2013
para aprisionar uma canção
Peter O’Sagae
Se me fosse dada a ordem para fazer uma antologia para falar de meninos e pássaros, começaria com os versos de Carlos Queiroz Telles encontrados em seu RELATÓRIO DE VIAGEM (SECSP/Livraria Martins, 1983), livro comemorativo dos 25 anos de poesia do autor que me chegou pelas mãos de Rita Okamura em outubro de 1993. Coincidência ou não, releio “Primeiro, primário” com suas metonímias e imagens que jamais poderia esquecer:
Entretanto, mesmo vindo o pássaro para dentro do menino-vazio, dando-lhe voz e asas para viver fora de sua solidão, mesmo assim, o menino não ficou satisfeito, trocando o pássaro por outro, maior, mais enfeitado e mais canoro. Voou mais alto, é verdade, voou – mas, a felicidade não lhe foi mais duradoura que a antiga companhia do pequeno pássaro.
Ao ler TOM, com texto e ilustrações de André Neves (Projeto, 2012), meus olhos se prendem e se perdem na poesia da imagem, desde a árvore de pássaros que gesta um tímido menino. O que há ali dentro é silêncio, ou canção?
E dentro da cabeça de Tom? Pois este é o desafio para o irmão do menino. Por que Tom gosta da solidão dos pensamentos, por que não brinca, nem diz o que sente? Onde vivem e voam os seus sonhos? É então que se abrem as asas da narrativa, na duplicação do espaço imaginativo: o coração do menino canta mais que mil pássaros para libertar os pés da realidade incomunicável. Tom dança completamente em uma outra linguagem, na linguagem dos sentimentos, no tom da verdadeira amizade.
É importante que todos tentem entender. “A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos a ajudar a viver.” Palavras de Tzvetan Todorov. É importante entender o tom, e outros meninos, e outros pássaros...
* TODOROV, T. Literatura em perigo (DIFEL, 2012) p.76.
Se me fosse dada a ordem para fazer uma antologia para falar de meninos e pássaros, começaria com os versos de Carlos Queiroz Telles encontrados em seu RELATÓRIO DE VIAGEM (SECSP/Livraria Martins, 1983), livro comemorativo dos 25 anos de poesia do autor que me chegou pelas mãos de Rita Okamura em outubro de 1993. Coincidência ou não, releio “Primeiro, primário” com suas metonímias e imagens que jamais poderia esquecer:
Para aprisionarAo ler O MENINO-VAZIO, livro de imagem de Jean-Claude R. Alphen (Jujuba, 2012), os versos de Carlos Queiroz imediatamente vieram pousar ante meus olhos. Já na capa anuncia-se a intenção do menino, cabeça-de-laço rumo ao pássaro. A narrativa ilustra o esforço de prender o que nasceu livre e livre deveria ser – o pássaro e sua canção...
a canção de um pássaro
cautelosamente
o menino arma seu laço
– mas o pássaro
desprezando o laço
vem pousar no seu braço
e o coração do menino
canta mais
do que o coração do pássaro.
Entretanto, mesmo vindo o pássaro para dentro do menino-vazio, dando-lhe voz e asas para viver fora de sua solidão, mesmo assim, o menino não ficou satisfeito, trocando o pássaro por outro, maior, mais enfeitado e mais canoro. Voou mais alto, é verdade, voou – mas, a felicidade não lhe foi mais duradoura que a antiga companhia do pequeno pássaro.
Ao ler TOM, com texto e ilustrações de André Neves (Projeto, 2012), meus olhos se prendem e se perdem na poesia da imagem, desde a árvore de pássaros que gesta um tímido menino. O que há ali dentro é silêncio, ou canção?
E dentro da cabeça de Tom? Pois este é o desafio para o irmão do menino. Por que Tom gosta da solidão dos pensamentos, por que não brinca, nem diz o que sente? Onde vivem e voam os seus sonhos? É então que se abrem as asas da narrativa, na duplicação do espaço imaginativo: o coração do menino canta mais que mil pássaros para libertar os pés da realidade incomunicável. Tom dança completamente em uma outra linguagem, na linguagem dos sentimentos, no tom da verdadeira amizade.
É importante que todos tentem entender. “A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos a ajudar a viver.” Palavras de Tzvetan Todorov. É importante entender o tom, e outros meninos, e outros pássaros...
* TODOROV, T. Literatura em perigo (DIFEL, 2012) p.76.
21 de outubro de 2013
canto para uma cor só
Peter O’Sagae
No mesmo ano em que chegava para todos a imagem crispada do primeiro homem a pisar na lua, partia para lá uma cor sem par, nem pátria. Uma cor chamada Flicts, diferente e extravagante, sem a força do Vermelho, a luz do Amarelo ou a paz do Azul, uma cor que ninguém quer na caixa dos lápis de cor, nas brincadeiras da primavera, após a chuva, nas bandeiras... Aflito, triste e feio, tão só, mas cheio de it, Flicts desiste da realidade que o repele e vai subindo, sumindo, subindo, sumindo... até que a lua tornou-se toda flicts!
Lançado em 1969, o livro de Ziraldo recebeu comentários de Carlos Drummond de Andrade a Nelly Novaes Coelho que, a despeito da colorida beleza gráfica, não viu o endereçamento da obra para crianças, mas um texto de simplicidade enigmática para jovens e adultos. Uma alegoria, talvez, presa ao contexto de uma época: o narrador diz tudo o que Flicts não é, e parece-se muito com alguém que se viu e partiu num rabo de foguete, isto é, com todas as dificuldades para cumprir algo a que estava programado ou prometido.
Em outras leituras, já tentamos ser convencidos a respeito da paráfrase sobre Andersen e o Patinho Feio, tão triste e sofredor quanto Flicts. Contudo, no final, uma contradição frente ao conto do escritor dinamarquês: se o patinho ascende e voa, ao descobrir sua verdadeira natureza de cisne, com a afirmação da convivência entre iguais, Flicts vai subindo e sumindo rumo ao isolamento fantástico sobre si mesmo, à negação da convivência entre iguais... Ora, esta não é, não seria uma mensagem oportuna ou muito otimista para o público infantil, com uma imagem valorativa tão voltada para si mesmo, centrada e centralizadora, que a velha (e boa) pedagogia esforça-se por modificar. O simbolismo da lua é muito bonito e mágico, em diversas culturas, tanto representa o inatingível, quanto o admirável – e o satélite lá no alto, sozinho e insondável para o comum das pessoas. Mas... Oh, lua no golfão de cismas e solipsismo!
No entanto, ‘inda ontem, um detalhe necessário do texto novamente se apresentou: Flicts transforma-se em flicts, de personagem a uma coisa ou qualidade, ao duplo it que nos é permitido reconhecer nos exercícios de leitura. E, se queremos Andersen, ao modo das comparações imperfeitas, a Andersen havemos de recorrer mais uma vez:
“..., com olhar triste, ela fitou o príncipe, e depois atirou-se do navio ao mar, sentindo como seu corpo se desfazia em espuma.
“O sol ergueu-se sobre o mar. Seus raios quentes caíram sobre a espuma. A pequena sereia não sentia a morte. Viu o sol claro, e, a voar por cima dela, centenas de formosas e diáfanas criaturas. Através delas, a sereia viu as velas brancas do barco e as rubras nuvens do céu. As vozes daquelas criaturas soavam como lindas melodias, mas nenhum olho humano podia ver quem cantava. Sem asas, eram tão leves que esvoaçavam no espaço. A pequena sereia percebeu então que seu corpo era como o delas, a elevar-se cada vez mais da espuma.
“– Para onde vou? – perguntou ela.”
P.S.1 Sim, a postagem anterior me inspira a retomar o tema da postura solipsista dentro da produção literária para crianças; deveríamos diferenciar os estados de solidão dolorosa, contemplativa ou voluntária que alguns personagens sofrem como acossamento ou acabam por impor a si mesmos como busca de beleza ou desprendimento dos motivos de sua aflição.
P.S.2 A lua e as demais cores de Ziraldo reverberam na ilustração de André Neves: a capa é flicts, mas levo o olhar atento para o guarda-chuva. São as recorrências que permitem reconhecer as imagens ou representações, umas nas outras, como emblemas ou estigmas da literatura para crianças.
P.S.3 A tradução de “A pequena sereia” por Guttorm Hanssen, com a revisão estilística de Herberto Sales, do livro Contos de Andersen (Paz e Terra, 1978).
No mesmo ano em que chegava para todos a imagem crispada do primeiro homem a pisar na lua, partia para lá uma cor sem par, nem pátria. Uma cor chamada Flicts, diferente e extravagante, sem a força do Vermelho, a luz do Amarelo ou a paz do Azul, uma cor que ninguém quer na caixa dos lápis de cor, nas brincadeiras da primavera, após a chuva, nas bandeiras... Aflito, triste e feio, tão só, mas cheio de it, Flicts desiste da realidade que o repele e vai subindo, sumindo, subindo, sumindo... até que a lua tornou-se toda flicts!
Lançado em 1969, o livro de Ziraldo recebeu comentários de Carlos Drummond de Andrade a Nelly Novaes Coelho que, a despeito da colorida beleza gráfica, não viu o endereçamento da obra para crianças, mas um texto de simplicidade enigmática para jovens e adultos. Uma alegoria, talvez, presa ao contexto de uma época: o narrador diz tudo o que Flicts não é, e parece-se muito com alguém que se viu e partiu num rabo de foguete, isto é, com todas as dificuldades para cumprir algo a que estava programado ou prometido.
Em outras leituras, já tentamos ser convencidos a respeito da paráfrase sobre Andersen e o Patinho Feio, tão triste e sofredor quanto Flicts. Contudo, no final, uma contradição frente ao conto do escritor dinamarquês: se o patinho ascende e voa, ao descobrir sua verdadeira natureza de cisne, com a afirmação da convivência entre iguais, Flicts vai subindo e sumindo rumo ao isolamento fantástico sobre si mesmo, à negação da convivência entre iguais... Ora, esta não é, não seria uma mensagem oportuna ou muito otimista para o público infantil, com uma imagem valorativa tão voltada para si mesmo, centrada e centralizadora, que a velha (e boa) pedagogia esforça-se por modificar. O simbolismo da lua é muito bonito e mágico, em diversas culturas, tanto representa o inatingível, quanto o admirável – e o satélite lá no alto, sozinho e insondável para o comum das pessoas. Mas... Oh, lua no golfão de cismas e solipsismo!
No entanto, ‘inda ontem, um detalhe necessário do texto novamente se apresentou: Flicts transforma-se em flicts, de personagem a uma coisa ou qualidade, ao duplo it que nos é permitido reconhecer nos exercícios de leitura. E, se queremos Andersen, ao modo das comparações imperfeitas, a Andersen havemos de recorrer mais uma vez:
“..., com olhar triste, ela fitou o príncipe, e depois atirou-se do navio ao mar, sentindo como seu corpo se desfazia em espuma.
“O sol ergueu-se sobre o mar. Seus raios quentes caíram sobre a espuma. A pequena sereia não sentia a morte. Viu o sol claro, e, a voar por cima dela, centenas de formosas e diáfanas criaturas. Através delas, a sereia viu as velas brancas do barco e as rubras nuvens do céu. As vozes daquelas criaturas soavam como lindas melodias, mas nenhum olho humano podia ver quem cantava. Sem asas, eram tão leves que esvoaçavam no espaço. A pequena sereia percebeu então que seu corpo era como o delas, a elevar-se cada vez mais da espuma.
“– Para onde vou? – perguntou ela.”
P.S.1 Sim, a postagem anterior me inspira a retomar o tema da postura solipsista dentro da produção literária para crianças; deveríamos diferenciar os estados de solidão dolorosa, contemplativa ou voluntária que alguns personagens sofrem como acossamento ou acabam por impor a si mesmos como busca de beleza ou desprendimento dos motivos de sua aflição.
P.S.2 A lua e as demais cores de Ziraldo reverberam na ilustração de André Neves: a capa é flicts, mas levo o olhar atento para o guarda-chuva. São as recorrências que permitem reconhecer as imagens ou representações, umas nas outras, como emblemas ou estigmas da literatura para crianças.
P.S.3 A tradução de “A pequena sereia” por Guttorm Hanssen, com a revisão estilística de Herberto Sales, do livro Contos de Andersen (Paz e Terra, 1978).
17 de outubro de 2013
o personagem e as personagens encalhadas
Peter O’Sagae
Em 1995, Angela Lago apresentava O PERSONAGEM ENCALHADO para crianças e adultos exigentes. Nesta obra contendo apenas vinte e quatro páginas escritas e rabiscadas, como um rascunho, uma estranha figura esguia, com a aparência de gênio ou outra espécie curiosa, emerge da dobra central do livro – e busca dali escapar. Quando pensa ter êxito na fuga, ele nota, decepcionado, o pé preso no grampo da encadernação... E, irremediavelmente preso, o personagem encalhado sucumbe na montoeira de palavras manuscritas por algum autor invisível.
Ora, brincando com as categorias da construção literária e o uso do suporte material, sempre em uma atitude de metalinguagem, a autora Angela Lago estabelece uma cena a respeito da desventura do texto. Já não existe mais uma história a ser contada, daí que o personagem encalhou. O tempo e o espaço são tão só espaço gráfico e um tempo-movimento que advém da mão de cada leitor para virar a página – ou, indiscretamente, bisbilhoteiro e estacionado, colocar-se à leitura do rascunho em letras miúdas e cinzas ao fundo. O texto lá escondido e à mostra como cenário, é repetido por quarenta e duas vezes como variações de um exercício de escrita. Existe pois um jogo deliberado, intencional, complexo à luz de algumas teorias. Há quem aí possa apostar em desconstrução. No entanto, jamais abandonando a comunicação com a criança e o senso lúdico e o humor e a cooperação dos leitores.
Em 2000, Elisa Lucinda trouxe à literatura infantil A MENINA TRANSPARENTE, com ilustrações de Graça Lima, versos de métrica bastante prosaica e rimas de quando em quando. Essa menina não é uma personagem, mas uma personificação. Nas asas da adivinha e da metáfora, disfarçada de todas as coisas, a menina esparge pistas sobre si e o seu modo de existir – “Uns me pegam pra criar em livro,/ Outros me botam num vestido lindo”, “Tem gente que diz que eu/ Nasço dentro da pessoa,/ E faço ela olhar diferente”. Voando, livre, a voz lírica anima um corpo imaginário de sentimentos e passagens por lugares diversos, do papel à palestra, da música ao mar, do ar às plantas, das estrelas à esperança. Sim, a menina transparente é a Poesia.
Ora, Dobras da Leitura tem recebido livros* que já não podem ser compreendidos, nem criticados rumo a um ou outro projeto de literatura para crianças. Passando do feitio dos textos aos efeitos sobre a recepção, muitos trabalhos denunciam a si mesmos pelo afastamento voluntário do mundo que nos rodeia e que poderiam representar em suas páginas. No entanto, neles também não encontrei rastros de metalinguagem, som e sentido, imagens e enigmas entre o verbal e a ilustração. A falta de coerência não deve ser levada à conta de negar a construção ficcional estabelecida pela tradição das histórias, mas uma fraqueza insuperável para o leitor – em suas várias idades.
Revendo os estruturais de uma narrativa, tempo e espaço indeterminados têm produzido a anulação de cenários onde os personagens pudessem se movimentar e transformarem-se. A ilustração igualmente comparecerá vazia de sintaxe e significados, na página com fundo uniforme ou com texturas assumindo a tarefa de ambientar desenhos sem contiguidade de ação. Sem esse compasso antes/depois, causa e consequência, nenhuma história se desenrola. As personagens estão encalhadas.
Por um excesso de laboratório com a linguagem, as personagens perderam-se em algo que não é representação, nem poesia; algo que não pode ser lido fora de uma descrição de emoções e episódios particulares, de acentos ligeiros, dor que fingida ou honestamente não dói, alegria que não anima. Mas talvez essas estratégias venham responder a um exercício íntimo de conhecimento e ninguém aqui poderia vir censurar a iniciativa do invento... A deficiência da crítica é muitas vezes enfrentar silenciosamente esse moinho de solipsismo que pretende nos ensinar que o único ser existente é uma personagem dona do próprio nariz, autorreferente e autossuficiente, dispensando a companhia do leitor, qualquer leitor.
* Nas fotografias, por ordem de publicação: DESLEMBRAR, de Luciano Pontes e Rosinha (Larousse, 2009), A MENINA QUE FALAVA BORDADO, de Blandina Franco e José Carlos Lollo (Amarilys, 2010), MENINA-MENINA, PRINCESA DE LAMA..., de Rosana Villela e Giselle Vargas (Paulinas, 2011), O MUNDO DE UMA MENINA DE SONHOS, de Renata Wirthmann e M. Monteiro (Cepe, 2011), e CARMELA CARAMELO, de Cristiane Rogerio e André Neves (Cortez, 2012).
Em 1995, Angela Lago apresentava O PERSONAGEM ENCALHADO para crianças e adultos exigentes. Nesta obra contendo apenas vinte e quatro páginas escritas e rabiscadas, como um rascunho, uma estranha figura esguia, com a aparência de gênio ou outra espécie curiosa, emerge da dobra central do livro – e busca dali escapar. Quando pensa ter êxito na fuga, ele nota, decepcionado, o pé preso no grampo da encadernação... E, irremediavelmente preso, o personagem encalhado sucumbe na montoeira de palavras manuscritas por algum autor invisível.
Ora, brincando com as categorias da construção literária e o uso do suporte material, sempre em uma atitude de metalinguagem, a autora Angela Lago estabelece uma cena a respeito da desventura do texto. Já não existe mais uma história a ser contada, daí que o personagem encalhou. O tempo e o espaço são tão só espaço gráfico e um tempo-movimento que advém da mão de cada leitor para virar a página – ou, indiscretamente, bisbilhoteiro e estacionado, colocar-se à leitura do rascunho em letras miúdas e cinzas ao fundo. O texto lá escondido e à mostra como cenário, é repetido por quarenta e duas vezes como variações de um exercício de escrita. Existe pois um jogo deliberado, intencional, complexo à luz de algumas teorias. Há quem aí possa apostar em desconstrução. No entanto, jamais abandonando a comunicação com a criança e o senso lúdico e o humor e a cooperação dos leitores.
Em 2000, Elisa Lucinda trouxe à literatura infantil A MENINA TRANSPARENTE, com ilustrações de Graça Lima, versos de métrica bastante prosaica e rimas de quando em quando. Essa menina não é uma personagem, mas uma personificação. Nas asas da adivinha e da metáfora, disfarçada de todas as coisas, a menina esparge pistas sobre si e o seu modo de existir – “Uns me pegam pra criar em livro,/ Outros me botam num vestido lindo”, “Tem gente que diz que eu/ Nasço dentro da pessoa,/ E faço ela olhar diferente”. Voando, livre, a voz lírica anima um corpo imaginário de sentimentos e passagens por lugares diversos, do papel à palestra, da música ao mar, do ar às plantas, das estrelas à esperança. Sim, a menina transparente é a Poesia.
Ora, Dobras da Leitura tem recebido livros* que já não podem ser compreendidos, nem criticados rumo a um ou outro projeto de literatura para crianças. Passando do feitio dos textos aos efeitos sobre a recepção, muitos trabalhos denunciam a si mesmos pelo afastamento voluntário do mundo que nos rodeia e que poderiam representar em suas páginas. No entanto, neles também não encontrei rastros de metalinguagem, som e sentido, imagens e enigmas entre o verbal e a ilustração. A falta de coerência não deve ser levada à conta de negar a construção ficcional estabelecida pela tradição das histórias, mas uma fraqueza insuperável para o leitor – em suas várias idades.
Revendo os estruturais de uma narrativa, tempo e espaço indeterminados têm produzido a anulação de cenários onde os personagens pudessem se movimentar e transformarem-se. A ilustração igualmente comparecerá vazia de sintaxe e significados, na página com fundo uniforme ou com texturas assumindo a tarefa de ambientar desenhos sem contiguidade de ação. Sem esse compasso antes/depois, causa e consequência, nenhuma história se desenrola. As personagens estão encalhadas.
Por um excesso de laboratório com a linguagem, as personagens perderam-se em algo que não é representação, nem poesia; algo que não pode ser lido fora de uma descrição de emoções e episódios particulares, de acentos ligeiros, dor que fingida ou honestamente não dói, alegria que não anima. Mas talvez essas estratégias venham responder a um exercício íntimo de conhecimento e ninguém aqui poderia vir censurar a iniciativa do invento... A deficiência da crítica é muitas vezes enfrentar silenciosamente esse moinho de solipsismo que pretende nos ensinar que o único ser existente é uma personagem dona do próprio nariz, autorreferente e autossuficiente, dispensando a companhia do leitor, qualquer leitor.
* Nas fotografias, por ordem de publicação: DESLEMBRAR, de Luciano Pontes e Rosinha (Larousse, 2009), A MENINA QUE FALAVA BORDADO, de Blandina Franco e José Carlos Lollo (Amarilys, 2010), MENINA-MENINA, PRINCESA DE LAMA..., de Rosana Villela e Giselle Vargas (Paulinas, 2011), O MUNDO DE UMA MENINA DE SONHOS, de Renata Wirthmann e M. Monteiro (Cepe, 2011), e CARMELA CARAMELO, de Cristiane Rogerio e André Neves (Cortez, 2012).
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Amarilys,
André Neves,
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Cortez Editora,
Editora Record,
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RHJ Editora,
Rosinha
15 de outubro de 2013
Todorov’s on the table, or not
O’ABRE ASPAS para a reflexão viva
“Nós – especialistas, críticos literários, professores –
não somos, na maior parte do tempo, mais do que anões sentados em ombros de gigantes. Além disso, não tenho dúvida de que concentrar o ensino de Letras nos textos iria ao encontro dos anseios secretos dos próprios professores, que escolheram sua profissão por amor à literatura, porque os sentidos e a beleza das obras os fascinam; e não há nenhuma razão para que reprimam essa pulsão.” (Tzetan Todorov) A LITERATURA EM PERIGO, 2012.
Da página 31 para a 23:
“Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio que ser o único a vê-la assim. mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.” (Tzetan Todorov) A LITERATURA EM PERIGO, 2012.
P.S. Devo essa leitura ao Marcelo Del’Anhol, das postagens no Facebook à mesa do café, obrigando-me a voltar ao tempo em sala de aula. Um livro que não existia naqueles anos, mas certamente recomendaria para as alunas de letras e de pedagogia.
“Nós – especialistas, críticos literários, professores –
não somos, na maior parte do tempo, mais do que anões sentados em ombros de gigantes. Além disso, não tenho dúvida de que concentrar o ensino de Letras nos textos iria ao encontro dos anseios secretos dos próprios professores, que escolheram sua profissão por amor à literatura, porque os sentidos e a beleza das obras os fascinam; e não há nenhuma razão para que reprimam essa pulsão.” (Tzetan Todorov) A LITERATURA EM PERIGO, 2012.
Da página 31 para a 23:
“Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio que ser o único a vê-la assim. mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Somos todos feitos do que os outros seres humanos nos dão: primeiro nossos pais, depois aqueles que nos cercam; a literatura abre ao infinito essa possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente. Ela nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem o mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo. Longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à sua vocação de ser humano.” (Tzetan Todorov) A LITERATURA EM PERIGO, 2012.
P.S. Devo essa leitura ao Marcelo Del’Anhol, das postagens no Facebook à mesa do café, obrigando-me a voltar ao tempo em sala de aula. Um livro que não existia naqueles anos, mas certamente recomendaria para as alunas de letras e de pedagogia.
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