SEI POR OUVIR DIZER
Bartolomeu Campos de Queirós
il. Suppa (Edelbra, 2007)
Bartolomeu vem contar o interessante caso de uma mulher com três nascimentos, consigo vivendo sempre três diferentes possibilidades, como sorrir de forma intrigante por três ângulos distintos de seu rosto único, ou morar na terra do ontem, na vila do hoje e na capital do amanhã. Três e bons eram seus aniversários que aconteciam no dia de são nunca, no feriado de nossa senhora do sempre e no dia da mentira.
É também Bartô autor narrador quem se divide nos papéis de inventor, ouvinte e crítico da própria escritura criação sugestão. Teria sido simplesmente por não-ter-nada-para-fazer que o fizera pensar na existência de tão enigmática senhora? Talvez sim... Mas os vizinhos alertam — em especial, o senhor Trindade — que ela ali chegara, num mês sem semanas e fizeram por bem construir uma casa três vezes pequena, numa ilha chamada Tríplice...
Tirando-nos assim daqui — rumo a lugares onde a crônica vira sonho, Bartolomeu Campos de Queirós desalinha de invenção um cotidiano diáfano, frágil com vidro e lentes de cristal. Pois é para sentir e para pensar que a mulher deixa-lhe três pares de óculos: um para ver o perto, outro para ver o longe e o terceiro para procurar os dois. O narrador ainda garoto os usa, depois os perde — quem agora poderá descobri-los?
O livro intercala páginas ilustradas e duplas-páginas só imagem — a ilustração de Suppa, intervalando a prosa poética, dá tempo pra fazer suspiro e pegar de volta o pensamento perdido, nuns matizes de sensação bem fauvista nalgumas figuras que poderiam ser mais Matisse para desalinhar o leitor com o mesmo feitio que o novelo verbal.
« Senti pesar. É que muitas coisas que estavam perto, eu queria que continuassem perto. Não gostava de óculos que me roubavam preciosos bens: gato, cachorro, vaga-lume, a doce formiga, a melada abelha e as saudades do ontem. É que saudade só existe quando o tempo foi bom... Eu guardava tantas saudades. »
Nenhum comentário:
Postar um comentário