31 de maio de 2010

Alice, boneca e brincadeiras de Eich

por Peter O”Sagae


Lewis Carroll
reconto: Silvana Salerno
Alice no país das maravilhas
ilustrado por Cris Eich
DCL, 2010

ISBN 9788536808611
72p.


Porque as comparações são inevitáveis, torna-se perigosa e estranha a responsabilidade de ilustrar um clássico literário. Como revelar uma imagem que os olhos ainda não tenham visto? Desafio maior quando se trata de protagonizar traços e cores a partir de Alice no país das maravilhas! Não são poucas as re-edições ilustradas — e o subterrâneo do texto bem guarda diferenças e desentendimentos entre o escritor e John Tenniel, o primeiro a re-desenhar Alice a partir dos croquis de Carroll... Porém, tão próximos seus 150 anos, Alice já não é mais a mesma obra, nem a mesma criança! E como, a uma narrativa, acrescenta-se alguma fortuna crítica, o texto galopando sua própria metalinguagem, às imagens é possível conceber um intercurso de outras imagens. Vejamos sem demora: o que agora se acha na aquarela de Cris Eich?


O livro traz uma dúzia de pranchas coloridas, além da ilustração na capa e vinhetas que não se repetem ao longo do reconto de Silvana Salerno, que tornou o texto mais brevinho e sem rabos, ou histórias, para o leitor puxar.


Contrariamente, Eich criou um curioso olhar para trás: a ilustração olhando o próprio rabo — ou rastro! Um caminho em caracol, como bem mostra, num desses felizes acasos da leitura, o ratinho aí em cima.

E Alice não é senão uma boneca de retalhos, uma Emília de referências visuais, ou Ofélia, num mergulho de cores (e informações) saturadas. Os cabelos: tiras de uma velha saia azul. As mangas de seu vestido, quem sabe de qual pelica, roxa e rosa? De gatos a garatujas, o tronco de uma árvore se contorce tão felinamente que esconde quem ali se esconde — código que corporifica numa só forma correspondências: cabeça: sorriso: lua.

A ilustração de Cris Eich coloca à nossa frente o caráter mais indicativo da linguagem visual e aponta não uma representação, mas sua própria maneira de apresentar-se. Imagem. E (talvez) poucas coisas mais seriam tão agradáveis a Lewis Carroll que tramou, num livro de figuras e muitos diálogos, uma rede de hipertextualidade — divertidamente.


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