31 de julho de 2010

caçando histórias com a Lanterna Mágica

peter O sagae


Apesar da modesta produção editorial, a coleção Lanterna Mágica merece um olhar mais detido — e a atenção de ouvidos caçadores de antigas histórias. Sem fechar-se a um único gênero da literatura de tradição, os quatro títulos resgatam narrativas de diferentes culturas na prosa de Sonia Salerno Forjaz (DeLeitura, 2009).


BÚKOLLA, A VACA ENCANTADA. Conto acumulativo tradicional islandês que traz a aventura de um menino que vai até os confins da paisagem de gelo, em busca da vaquinha de sua família. “Muge agora, minha querida Búkolla, se está viva em algum lugar!” Seguindo as pistas que soam ao vento, o menino encontra o animal e já vem voltando para casa, quando duas imensas e famigeradas ogras, mãe e filha, aparecem no rastro deles. Ao sabor das histórias de perseguição, Búkolla aconselha o menino a arrancar um pelo de sua cauda e lançá-lo ao chão: e um, dois, três obstáculos vão surgindo por esse caminho.

Em outras variantes do conto entre os povos nórdicos, é a jovem Helga quem salva Búkolla e enfrenta a temível ogra ou trolha chamada Skessa, resgatando ainda duas irmãs preguiçosas (transformadas em gata e cadela) e um príncipe enfeitiçado em monstro, com quem casa depois.

A PRINCESA SAPO. Neste conto de encantamento russo, um rei impõe um inédito jogo a seus três filhos: devem eles construir um arco e arremessar flechas o mais distante possível. Assim, as jovens que conseguirem alcançar, serão eleitas noras do rei. E o que foi ordenado, foi cumprido. Porém o acaso faz que a flecha de Ivan, o príncipe-caçula, caísse em um pântano... onde o rapaz vai encontrar um sapo saltitando com sua flecha presa à boca. Ninguém adivinharia, no entanto, tratar-se da encantada princesa Yelena, possuidora de dons mágicos insuperáveis, até que o rei imponha uma sequência de provas difíceis às três noras.

Este conto bastante comum por toda Rússia, tendo sido divulgado também como Czarina Rã, por Alexander Afanasyev, o folclorista que, a partir de 1855, registrou e publicou a maior coletânea de histórias populares, com 600 narrativas!

O ANEL MÁGICO. Um conto maravilhoso extraído da coletânea de histórias indianas de Joseph Jacobs (1912), mesclando o exotismo do Oriente às convenções narrativas da Europa. Um jovem se lança ao mundo com algum dinheiro, mas usa a herança para salvar um cachorro, um gato e uma cobra. Como ensinam os contos populares, essa é sempre uma atitude muito sábia, mesmo que pareça uma grande tolice à vista de todos.

Inúmeros motivos do reconto conduzem a outras histórias, evidenciando um intercâmbio cultural muito antigo e uma costura narrativa bastante surpreendente. Vejamos: um príncipe a ser desencantado da forma animal; três objetos mágicos, um anel, um pote e uma colher; castelos que desaparecem no ar; uma princesa que esquece o amado; um casamento de ratinhos a meio caminho; as diferenças de opinião entre o gato e o cachorro...

A MAGIA DO AMOR. Desde a infância, Chien-Yang e seu primo Wang-Chou sentem seus corações selados em uma só vida. Contudo, os sonhos de ambos são desfeitos quando o pai da jovem, um honorável mandarim, determina o casamento de Chien-Yang com o filho de outro poderoso senhor. Triste, Wang-Chou parte rumo a capital — mas, em seu caminho, no escuro da noite, surge a jovem amiga decidida a ir com o amado.

Sonia Salerno forja uma adaptação, sob a forma de conto, da antiga lenda de Ch’ienniang, pertencente às crônicas e histórias sobrenaturais da literatura clássica chinesa registradas por volta de 690 d.C. durante a Dinastia Tang. O final fantástico é significativamente expressivo para uma narrativa que se distingue de todos os demais contos populares de magia.


A coleção Lanterna Mágica apresenta ainda o trabalho de Caleb Souza, Edu Mendes, Hugo Araújo e George Amaral, com experiências diversas em ilustração para revista, publicidade, desenho de animação e história em quadrinhos, com resultados tímidos no circuito da literatura para crianças. Merecem destaque as paisagens islandesas criadas na paleta do computador de Caleb Souza e o desenho na ponta do lápis de Hugo Araújo, algo embebido no orientalismo de Warwick Goble revelado nos gestos, figurinos e enquadramentos.

* Texto e links revistos em julho de 2017.

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