8 de agosto de 2010

A caixa do menino

por Peter O'Sagae

A trilha vai até o asfalto, depois do asfalto é o mato. O pai de João vai abrindo caminho, facão na mão, e o menino segue os passos do pai, caixa debaixo do braço. Feliz. Ali tem tudo o que é preciso para sentir-se preparado: apito, revólver de plástico, mamona, estilingue, canivete enferrujado que o avô não queria mais... Ora, se aparece tamanduá ou gambá, tá feito porque o menino está muito bem protegido.

Mas, bem pra lá, depois que João viu casa de cupim fazendo da terra um tabuleiro imenso, viu vaca e boi vigiando o pasto, viu formigas numa fila levando folhas cortadas, o que foi o que aconteceu? Um bode:
o pai correu para um lado, João para outro — e tropeçou e caiu dentro de um buracão. João tem medo? Em um momento, não — e tchum, acerta mamona na cara do bicho que foge, béééééé já vai pra longe... De repente, o menino sente-se só.

De Márcia Batista, A caixa do menino (Scipione, 1988). Na trilha do conto, a autora segue de perto a forma breve de narrar e ampliar afetos — homem e filho num caminho só, um dedão machucado, o menino nas costas do pai, caixa sempre debaixo do braço. O texto conquistou o júri do Prêmio Bienal Nestlé de Literatura Brasileira 1988 e, ainda hoje, abre um horizonte próprio de sugestões com sabor de vitória, confiança mútua e promessa de outras aventuras. Apesar da aparente escassez de recursos para atrair o olhar do leitor, é preciso reconhecer que o ilustrador José Carlos Martinez tirou bom proveito de retículas, porcentagens e misturas entre duas cores, produzindo variedade de tons entre o azul e ocre. Da mesma maneira, vale conferir a simplicidade de um projeto gráfico inteligente e interessante, abrindo balanço e diálogo entre as páginas, a ilustração e a mancha do texto verbal.

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