9 de setembro de 2010

pois ricamente, a palavra dura

por Peter O’Sagae


Memória e infância podem ser dois ingredientes de difícil combinação, coisas incompatíveis uma com a outra, na hora de escrever para crianças. Teria que deixar de lado qualquer apelo de saudade, artifício que muitas vezes não cola aos ouvidos de um leitor com poucas “experiências idas”, nem muito responde a um leitor ávido por experiências novas. Ao escrever sua história, um autor talvez necessitasse bem mais que representar o que já foi, mas apresentar o passado como quem sabe fazer presente um tal instante ainda vivo. Pois assim Ignácio de Loyola Brandão escreve, enredando-nos pela lembrança literária de um acontecimento singular de sua infância. Com ilustrações de Mariana Newlands, a história d’O MENINO QUE VENDIA PALAVRAS (Objetiva, 2007).

À conquista de suas riquezas pessoais, um menino (que bem poderia ser qualquer criança, ou personagem de um conto imaginativo e afetuoso) entrega-se ao orgulho de ter o pai mais inteligente do bairro, da cidade... talvez do mundo! De nenhuma palavra, o pai ignora o significado. Incompatível fora a primeira palavra e depois vieram: lunático, degringolada, matula, alforje... O pequeno descobre o poder fascinar outros meninos e, daí, para estabelecer um comércio de palavras, o caminho é mais curto e certo que um traço e ponto —. Ora, como pagamento vale uma bolinha americana colorida, um sorvete ou chiclete, fotografia de navio de guerra... E a barganha foi a primeira e promissora atividade deste menino porque, quanto mais complicada a palavra, mais alto era o preço. Contudo, não é bem de uma riqueza material ou monetária de que o livro trata e retrata.

Ignácio de Loyola Brandão combina a beleza sonora das palavras com o elogio à leitura e aos mundos que ela descortina. Do espírito lúdico que investe nos fatos corriqueiros, o autor, com a mais imensa alegria, revela a generosidade do pai ao fazer o menino compreender que não se negocia o talento alheio, nem as palavras — afinal, o que ele tem praticado é trapaça. E a verdade de fazer literatura parece ser essa mesma: não condescender. Nem na forma, nem nos sentimentos: a lição mais dura é aquela que dura — e é preciso salvar o texto para também salvar os leitores.

Nas ilustrações e no projeto gráfico do livro, Mariana Newlands convoca o vermelho e o preto para as figuras, mais o tamanho e o peso diferente para as letras, palavras e frases que tomam movimento de tanto em tanto, explorando a mancha tipográfica em jogos diversos, tocando em soluções próprias da publicidade e o uso do branco da página como faz a mais séria poesia concreta. Estas composições visuais correspondem a diagramas distributivos, quando analisamos as relações espaciais ou sintáticas palavra=imagem.



O MENINO QUE VENDIA PALAVRAS, de Ignácio de Loyola Brandão e Mariana Newlands, além de ter conquistado o segundo lugar de Melhor Livro Infantil do Prêmio Jabuti, foi escolhido como o Livro do Ano - Ficção 2008, pela Câmara Brasileira do Livro, o que suscitou dúvidas frente aos critérios adotados para a escolha dos jurados da categoria livro infantil e a escolha máxima dos profissionais do mercado editorial!

2 comentários:

  1. Esse livro é uma excelente indicação, fez parte e um capítulo importante da infância da minha filha! obrigada por compartilhar e me fazer voltar no tempo! Sandra
    http://projetandopessoas.blogspot.com//

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  2. Um momento inesquecível foi ouvir Ignácio falar sobre este livro no Fórum das Letras em 2007.É um excelente contador de histórias. Ficaria dias seguidos ouvindo o que tem para contar. O mesmo digo de Ferreira Gullar.
    Abraços

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