6 de dezembro de 2010

Só um Conto, uma coleção só

Dobras da Leitura 46


À defesa da leitura de textos clássicos, Calvino arrola quatorze definições, das quais me satisfazem — para a apresentação desta ousada coleção — as ideias de persistência de determinadas obras como rumor em contradição com o ritmo da vida atual e de semelhança com os antigos talismãs. A editora Elaine Maritza soube selecionar contos inquietantes de autores consagrados que, antes de promover uma identificação imediata com os jovens leitores, instigam o desafio de atravessar um portal do tempo e da linguagem. É preciso ter a convicção de que a literatura não seja apenas retrato e repetição do cotidiano vivido, nem fantasia que sugere uma viagem de fuga, mas um sussurro que convida à instabilidade de emoções na entrada por velhos cenários.

Os três títulos iniciais da coleção Só um Conto (Artes e Ofícios, 2007) direcionam o leitor rumo a narrativas de breve extensão, mas intenção profunda. E o para-texto, contido nos livros, é bem claro quanto à proposta de compartilhar autores clássicos com o jovem, qualificando-o, então, como "um leitor mais capaz, dispondo de recursos que enriquecerão suas leituras e abrirão possibilidades para a compreensão do mundo e das relações entre as pessoas". As ilustrações e o projeto gráfico ficaram por conta de Tati Móes, dando-nos um objeto para folhear com rara simplicidade e leveza. Seus desenhos elegem poucos elementos das histórias para representar, assumindo o valor de vinhetas, reproduzidas a duas cores e intercaladas ao fluxo do texto, e reforçam o "silêncio" de cada narrativa.


NO MANANTIAL — Fazendo uso do linguajar sul de nosso país, Simões Lopes Neto mistura circunstâncias tensas com imagens de lenda, ao narrar desatinos e desgraças de um amor não correspondido e brutal. Apesar do final trágico e cruel de Maria Altina, no dia de suas bodas, em meio às águas barrentas de um pântano, até hoje, está uma insuspeitada roseira sempre carregada de rosas.

« Sempre dói na alma, mexer nestas lembranças. E há quem não acredite!... A cruz... onde já foi!... mas a roseira baguala, lá está! Roseira que nasceu do talo da rosa que ficou boiando no lodaçal no dia daquele cardume de estropícios... Vancê está vendo bem, agora? Pois é... coloreando, sempre! »


PAI CONTRA MÃE — Não há contrastes sociais que a paleta de Machado de Assis desconheça, mas sua palavra é mesmo implacável com as nuanças, tingimentos e sombras das faces que ilumina: seguimos os passos de um caçador de escravos, um pai que a crise financeira conduz até a roda dos enjeitados para ali abandonar o pequeno filho. Sua esperança por trabalho opõe-se ao sonho de maternidade de uma negra fujona.

« O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi — para lembrar o primeiro ofício do namorado, — tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. »


A MÁSCARA DA MORTE RUBRA — Edgar Allan Poe é considerado o mestre do conto, especialmente das histórias de horror. Ao descrever um inviolável castelo, protegido da peste que dizimava os desafortunados lá fora, o autor recria, com a intermitência dos sons em suas frases, o movimento sensual por sete salas cheias de cor e soberba. Contudo, nenhum aparato fora suficiente para afastar uma presença indesejada...

« O Príncipe Próspero havia orientado, em grande parte, os enfeites sobre os móveis dos sete cômodos para a ocasião da grande festa, e fora a sua própria criatividade que dera inspiração para os mascarados. Acredite, eles eram absurdos. Havia muito brilho, esplendor, sátira e um toque de fantasmagórico... »

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