25 de abril de 2013

parataxe, sinhá!

peter, peter por aí...


Com a sofisticação e a simplicidade de um jogo, o livro-poema EU VI UM PAVÃO aqui se apresenta pela escolha do editor Adilson Miguel (Scipione, 2011), como um artefato de muitas mãos. Veja só: um poema folclórico inglês, um ilustrador e serígrafo indiano chamado Ram Singh Urveti, o projeto gráfico assinado por um brasileiro com sobrenome japonês, Jonathan Yamakami, uma casa editorial indiana aplaudida pelos quatro ventos como a Tara Books, mares, mares, letras, feiras, imagens e aviões, a chegada na tradução de Angélica Freitas. Oi, pá: um livro que celebra a tradição bem ao gosto do desenvolvimento estético-econômico contemporâneo – parataxe, sinhá!

Os versos andam soltos pela rede mundial. Portanto, ninguém vai se importar, verdadeiramente, se alguém aqui ou aqui os copiou:

eu vi um pavão com uma cauda de fogo
eu vi um cometa derramar granizo
eu vi uma nuvem enrolada em hera
eu vi uma árvore andar pela terra
eu vi uma formiga engolir uma baleia
eu vi um mar bravo cheio de cerveja
eu vi um copo de três metros de fundura
eu vi um poço com lágrimas de lamúria
eu vi olhos numa chama flamejante
eu vi uma casa maior que a lua e mais distante
eu vi o sol até no meio da escuridão
eu vi quem teve essa incrível visão


Ô, minha gente, eu vi as resenhas repetindo a quarta de capa, repetindo e, se repetindo, ditando um ritmo só de leitura: “Eu vi um pavão é um poema clássico, surgido na Inglaterra do século XVII, de autor desconhecido. À primeira vista, parece um poema fantástico. Mas se os versos forem lidos com pausas e recombinados entre si, o sentido se mostra claramente. O livro brinca com as possíveis inversões dentro do poema e usa o design e a arte a serviço da linguagem, encantando crianças e desafiando adultos. O resultado é um belo jogo de espelhos, que ora revela, ora esconde, e sugere novos significados a cada leitura.”


Pois, vamos lá, pisando bem devagar: o truque do texto é fugir à lógica subordinativa – parataxe, sinhá! E ir justapondo versos como uma simples enumeração de quadros ou figuras, ao longo de uma exposição, na tapeçaria do poema por onde o leitor vai. É um redemoinho de imagens... Mas, basta tomar um verso pela metade para ter uma leitura mais chão, mais terra-terra e razoável, decifrando cada imagem em seu próprio lugar: com uma cauda de fogo, eu vi um cometa... engolir uma baleia, eu vi o mar bravo... e, por aí vai a perlenga, parlenda, sem tantos mistérios. É parataxe, sinhá!

Há um encanto no vislumbre que se constrói pela evocação de formas repetidas e análogas. É a cauda do pavão flamejante, iridescente, cheia de olhos para olhar. É a cauda do cometa, de fogo, gelo e granizo. É a forma das gotas, das lágrimas e dos olhos. É o corpo oblíquo da formiga e da baleia. É a composição explosiva do sol – e tudo isso quase que dispensando ilustração, vai lá e pega na riqueza do verbal.


Todas as coisas em profusão: a escolha apropriada das gravuras de Ram Singh ou Ramsingh Urveti, transbordando movimento nas formas orgânicas da arte gondi, grupo étnico da região mais central da Índia, ligados tradicionalmente à agricultura. Não é estranho, assim, assim, a exuberância de traços com que Urveti define e dá texturas às árvores, depois às aves e aos insetos, mesmo a liquidez das águas e o volátil das chamas que parecem tremer como folhas... todas as coisas em procissão.

O projeto gráfico do livro EU VI UM PAVÃO arremata palavra e imagem. Espelho? Não acho. Digo que é: continuidade, através de recortes e janelas abertas nas páginas e também na mente de quem se atreve a entrar por ali.


Ô, sinhá, resenhar um livro assim não é fácil, não, parece até que deixa a obra complicada demais. Por isso, decidi terminar, determinar, pegar lá em Alagoas, uma peça de Mestra Virgínia, palavra apeando da sintaxe, se juntando sem muita conjunção, pela forma do som, contando histórias, vivências por imagens. Parataxe, entrai na roda, entrai na roda, sem parar...



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