8 de dezembro de 2013

onde vai com essa animação toda?

peter ô.ô sagae


É interessante observar como os desenhos animados de televisão, nos últimos tempos, contam com uma transmissão mais escassa nas emissoras de sinal aberto, passando a integrar quase que exclusivamente a programação de alguns canais por assinatura dedicados às crianças. Simultaneamente, as técnicas de animação proliferam no cinema e, em número crescente, as produções logo se encontram disponíveis nos suportes de videodisco e formatos variados de internet. Isso pode nos levar a consideração de que uma nova geração de leitores tem acentuada uma diferença quanto a recepção de narrativas audiovisuais, assimilando ritmos e padrões estéticos mais diversificados, ou defasados, em relação às crianças de décadas atrás... Ora, mas o que isso tem a ver com os livros de imagem?

Há mais de dez, em uma sala de aula, eu tentava explicar a um grupo de professoras a consistência dos movimentos e a continuidade de ação do adorável e meigo personagem de Noite de cão, o livro de imagem de Graça Lima (1991), diante da perplexidade de não entenderem a narrativa e o senso de humor lúdico poético. Hoje, em cima da mesa, tenho dois livros de Laurent Cardon que compõem a série Que bicho sou eu?, da editora Biruta, e poderia pensar: os desafios da leitura se ampliaram, em busca de um resposta criativa a essas histórias.


Aranha por um fio (2011) já é um título curioso. Se a aranha vive do que tece, está também sempre a um instante do perigo: na iminência de ser descoberta, de ver desfeita a teia, de perder um fio que era toda a sua vida. Por uma ironia sorridente, na capa do livro, a personagem balança suspensa da esquerda para a direita: é uma aranha-criança, é uma aranha-menina que já mostra muito bem a que veio...


A narrativa começa desde o berço e os primeiros passos da filha aprendendo com dona Aranha a subir pela parede sem escorregar, fixar-se no teto e... tecer a seda do próprio corpo! Das reações de susto, medo, incredulidade, a aranha-menina é estimulada a imitar os gestos da mãe. Claro que ela se enrola, embola, se enfeza, enfrenta todas as dificuldades para criar geometrias perfeitas, inventa e sente-se uma artista incompreendida, mas descobre um caminho de estudos, artes e rendas, para viver bem a sua natureza... sem depender de ninguém!


Sapo a passo (2012) não é um manual de sobrevivência, mas poderia ser... No seu mundo aquático, o girino-menino mal sabe que pode se afogar com o ar e arrisca-se a espiar acima da superfície! Mas é preciso aprender a esperar a hora certa e suportar a vidinha anfíbia entre a infância e a fase adulta. E esperar, esperar, até o dia de subir e cantar como o mais irresistível batráquio da lagoa...

* * *

Mais do que utilizar recursos das histórias em quadrinhos, Laurent Cardon introduz a linguagem e a lógica do story-board, que é o roteiro visual para filmes e desenhos animados. Isto favorece que o desenho repense e se refaça na dinâmica do próprio movimento que pretende sugerir, criando um encadeamento contínuo, mais orgânico e melhor organizado no espaço da página – um espaço que, muitas vezes nos livros de imagem do autor, funciona como o único cenário. É como se os personagens pudessem caminhar em cima da prancheta de animação e reconhecessem os limites impostos pelos quatro lados – tal como a aranha que sobe a parede ou... o canto da página à direta?


Sem cenários trabalhados detalhadamente, os personagens podem expressar velocidade nos gestos, uma rápida alteração nos estados de humor e, em especial, um trânsito de pensamentos e afetos se comunicando por rostos cheios de personalidade. Temos nos desenhos de Laurent uma verdadeira animação – mas, como ele mesmo afirma: “É bom não se esquecer de que a criança, apesar do que possa parecer, tem dificuldade, quase preguiça, de ler um livro de imagem porque a leitura pede mais concentração do que uma história narrada (...) A criança, muitas vezes, não entende por distração; basta fazer umas perguntas precisas e a compreensão se desencadeia.” Concordo, concordamos com Cardon.

Um comentário:

  1. Amo esses dois livros que, de fato, oferecem uma complexidade de "leitura" grande, um desafio delicioso e, com boas provocações, certamente podem gerar muitas compreensões e ricas interpretações das crianças, como diz a citação do autor.
    Sua análise, como sempre, maravilhosa!
    Abç,
    Lica

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