Dobras da Leitura 49, out. 2007
Marinho tinha um sonho, desde pequeno vida afora, carregando-o no nome e no ouvido que ouve a concha de rumores venturosos que o pai lhe dera. Marinho pescava horizontes dos confins mais líquidos, desde menino, ouvindo loas que tangiam areias alvas, corais cobertos de histórias, encantos e naufrágios... “Marinho cresceu com aquele oceano enchendo seu coração marujo, mesmo quando andava em terra firme” e, sob o claro calor do sol, seu caminho se fez por uma embarcação de quatro rodas por cidades e cidadezinhas. Aportava lá aqui acolá com a trupe de artistas de um alto sertão.
Das mambembadas e folguedos, Marinho compartilhava seu aquário de fantasias com o povo, com as crianças encharcadas de curiosidade e com os velhos que esperavam a rede de histórias e alegrias ser estirada. Uma noite, porém, barbas brancas já, os monstros marinhos da recordação levantaram ondas e o desejo gigante de fazer quilômetros e quilômetros de estrada em curta passagem para o mar. Foi. Enfim, o mar! O mar da princesa dos cabelos escorrendo dos ombros ao azul infinito...
Inventando lenda, André Neves amadurece igualmente imagens que estão na textura do seu fraseado e nas ilustrações serenamente exuberantes. Parece mesmo que o autor mergulha por pigmentos e sílabas, manipulando e moldando um contorno brioso, a partir de dentro das palavras e das cores. Há tempos, André nos tem deixado de olhos arregalados e, cada vez mais, tem sensivelmente mergulhado em uma equivalência plástica de sonoridades ricas. Do visual a um relevo tal de estalos e dígrafos na língua, os sons na prosa de O capitão e a sereia (Scipione, 2007) oscilam entre guturais-e-nasais profundos e alveolares-palatais molhados, com vogais ecoando ondas, mar e ar.
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