27 de setembro de 2014

árvores de vida e boa sorte

quase crônica, Peter O'Sagae outra vez...



Todos nós temos um sonho das coisas que desejamos ser para não perecer. Joaquim sonhava em ter uma semente no umbigo. Ele era um menino destinado à liberdade das coisas da natureza, como o vento, o morro e o rio, particularmente um rio da largura de seus ombros mais belo que qualquer outro que um poeta poderia inventar, porque corria pela cidadezinha onde nasceu o menino: um rio que lava a alma e leva um pouco de sua pessoa a um outro mais caudaloso, percurso de rio afora...


Com uma prosa delicada, Fábio Monteiro escreveu COMO NATUREZA, um texto que deságua na companhia das aquarelas de Elisabeth Teixeira (Abacatte, 2013) para representar um lugar mais distante que o infinito. Em uma primeira leitura, este lugar é própria infância e sua psicosfera especial que se abre, cresce, ilumina-se e pode se desenvolver através de belezas, ainda que uma dor se enfie como agulha pelo umbigo de Joaquim... Numa noite fria, veio o sintoma da rápida doença que o médico descobriu, então, enraizada pelo corpo do menino. “A mãe baixou a cabeça para esconder os olhos que choviam. O pai entendeu a gravidade e foi embora para sempre.” Porém, Joaquim sorriu. Compreendia que uma vida nova transbordava dentro de si. Viraria semente para ser plantado na terra. E assim foi.


Através de uma narração ligeira, o infinito desdobra-se na segunda leitura como o campo onde se cultivam as saudades, onde cresceu bela uma grande árvore – porque existia amor!

É essa imagem viva de otimismo de que necessitam a literatura infantil e seus leitores, resposta compreensiva e consoladora para uma ocorrência natural no percurso humano. Como as plantas e os animais, nascemos, crescemos, desenvolvemos e fenecemos – mas, também se extinguiria o sentimento que não é matéria, no mesmo instante? Uma mensagem de esperança vem aninhar-se em muitos corações, nos livros para crianças, sob o simbolismo da árvore da vida que se renova a cada semente lançada na direção do futuro.


Regina Chamlian e Helena Alexandrino, com intensa suavidade e alegria, convidam o leitor iniciante a caminhar com uma família de tartarugas terrestres e a pensar na importância de uma vida muito longa como o tempo quarando histórias. Não era à toa que vovô sempre fechava os olhos para ver melhor as aventuras nas antigas tardes cheias de sol... e batia forte o coração de Albertina, a menor de todas as tartaruguinhas. Se passa o tempo, passa também o vento para tirar o mundo de seu lugar e uma lengalenga apressa a morte do avô. Albertina não disse uma palavra, não chorou uma lágrima. Porém, chovia. Dentro de seu coração.


Com o livro VOVÔ VIROU ÁRVORE (Edições SM, 2009), as autoras revelam que os sentimentos jamais terminam e não há esquecimento para quem costura histórias de uma vida em outra vida, com os frutos mais doces dos laços familiares colhidos pela memória!


* * *

P.S. Ontem o começo da tarde era azul, retirei a caixa do esconderijo de presentes que guardo meses e anos, sem abrir. A caixa veio um pouco amassada para cima da mesa. Dentro, livro, literatura, segredos, sete envelopes contendo sementes de crisântemo, girassol, cravo vermelho, cravo branco, camomila, amor-perfeito mais amor-perfeito de Regina Chamlian e Helena Alexandrino. Gratidão por essa companhia palavra e imagem, doze horas da noite, doze horas do dia. No entanto, não sou eu hoje o aniversariante. Meu pai é quem nasceu no dia 27 de setembro – e isso faz muito tempo. Para ele dedico a amizade com escritores e ilustradores...


Se a literatura para crianças
também não nos serve, a quem servirá?


Um comentário:

  1. Comovente Peter. As duas histórias são comoventes, e mais ainda suas palavras em PS. Quem não tem uma caixa de guardar o tempo?
    Me lembrou - Caixinha de guardar o Tempo - Alessandra Roscoe e Alexandre Rampazo. Os dois livros já entraram na minha lista. Abraço.
    Vera Martucci de Amorim.

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