Peter O'Sagae
Dizem que o medroso é o verdadeiro pai do medo – ao congelar a própria percepção e o raciocínio, permitindo que outras pessoas exerçam sobre ele uma opressão moral ou física. Muitas histórias de vida e ficcionais podem começar por aí, bem por aí, e... sob um incontrolável sentimento de admiração! Por exemplo, o que você faria ao saber que um amigo tem um rinoceronte escondido no quarto dos fundos da casa?
Cláudio Fragata mostra o fascínio de Jurandir pelas invenções de seu colega, um convicto mentiroso, fisgando igualmente o leitor junto do livro JURA?, com ilustrações bastante precisas e dinâmicas de Eugenia Nobati (DCL, 2011). A ousadia do texto não está em traçar o final em que um menino pode acabar vítima de suas mentiras – expediente narrativo bastante tradicional, mas traduzir a intimidação na voz daquele que é responsável por bulir com o mais fraco. O narrador em primeira pessoa compreende muito bem a força que possui o rinoceronte alimentado às custas da inocência alheia. “Não existe contentamento maior para quem mente do que alguém que acredite.” É este todo o seu orgulho: caçoar do medo do Jura, torná-lo cativo.
Porém, a mentira também escraviza – com muito mais força, o mentiroso. O quarto descoberto vazio já não consegue prender a atenção do ouvinte, nem o imaginário paquiderme. É preciso conduzir a ambos através da mata ao fundo do quarto dos fundos da casa... “Vem, Jura! Vem, que o rinoceronte é mansinho!” Neste novo cenário, a solução da história chega ao som surdo dos passos, tum, tum, tum... e uma baforada quente no pescoço... Se era gente ou bicho, juro, ninguém viu!
E você já viu um rinoceronte voar?
Pois é preciso ter outra sorte de coragem. Ver um rinoceronte pousado na sombra do deserto é coisa rara, diz Ana Terra (aka Ana Thomas), por causa da escassez ensolarada da paisagem... Rinocerontes solitários são mais comuns, quase sempre na companhia de um pássaro.
No entanto, como descobrir que o imenso animal acabou de descer como a folha leve de uma árvore que atravessou o céu?
No livro PRA SABER VOAR (Abacatte, 2013), Ana pousou seus olhos nos olhos miúdos do rinoceronte e aterrissou em seus sonhos de liberdade e grandeza. É como uma silenciosa entrevista, em que ela mesma adivinhou poeticamente um arrepio, palavras, flores, nuvens – e um segredo. Que agora desenha e deseja compartilhar.
Juro, eu vi um desses rinocerontes que sabem voar.
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