Nem sempre voltar para casa, depois de seis meses no hospital, é a melhor coisa da vida — ainda mais sabendo o que você já sabe e precisará enfrentar: os vizinhos, os parentes, os amigos dos amigos de seus pais e da escola também. Sim, os olhares curiosos, silenciosos e falantes! Seria ótimo evitar as visitas, seria ótimo evitar qualquer forma de exposição... Será mesmo que ninguém percebe, você não é mais a menina que costumava ser? Não, por fora — shit, shit, shit! Todos apenas olham a careca, mas não enxergam a diferença que vem por dentro.
Voltar para casa dói... Papai parece não entender que o carro deve ir mais depressa, pois Marina não ’tava com a mínima vontade de olhar a rua em câmara lenta, muito menos ver Sanya e Ivana brincando na praça – e ser vista igualmente por elas. Mamãe também jamais entende que seria melhor parar de andar pela casa com seus agasalhos ridículos e queimá-los urgentemente, porque isso não a deixa mais nova, e não entende nem uma palavra quando ouve Marina dizer: “Se você continuar babando em mim, vou acabar vomitando. Ou desmaiando. Ou as duas coisas ao mesmo tempo! E não me chame de ‘alminha’. É como se eu fosse um fantasma. Porque, como você pode ver, ainda estou viva!” E Darko... Darko precisa... Darko não precisava nem mesmo ter nascido para se achar o cara mais inteligente do mundo. Decididamente, Marina sente que não precisava voltar para casa.
Realmente, toda a família Bakaritch passa a viver em estado de alerta. A novela Pula-elástico, do croata Zoran Pongrašic, escrita em 2001 e que chegou a nós através do texto em francês, com tradução de Heitor Ferraz Mello (Edições SM, 2006), evidencia uma série literária que se descortina por temas delicados, situações-limites, textos fortes — e uma aposta na virtude curativa das palavras.
Depois do tratamento contra a leucemia e a experiência de pressentir a morte todos os dias, observando as camas da enfermaria amanhecerem com novos rostos ou simplesmente vazias, Marina está de volta à casa. Talvez Gvozden e Lyerka, seus pais, não consigam ainda pensar quanto a nova lição que se apresenta seja bastante simples, porque é preciso dar um passo adiante após a doença e ir à vida... Quais os desejos de uma menina de doze anos?
Marina naufraga, simplesmente naufraga sem uma imagem em que possa reconhecer-se diante do espelho e diante dos outros. Este é o verdadeiro centro dramático do texto, dividido em sete capítulos como são sete as etapas do jogo de pula-elástico: canelas, joelhos, quadris, cintura, costelas, axilas e céu. «É comovente, em Pula-elástico, a obstinação amorosa com que os pais evitam abordar o medo da morte com sua filha caçula.», escreve Maria Rita Kehl, no posfácio ao livro. «Mas, ao escolher conduzir sua novela a partir do ponto de vista de uma pré-adolescente furiosa com a inabilidade dos pais, Zoran Pongrašic desliza agilmente do comovente ao cômico.»
Assim, antes de oferecer um texto pesado pelo assunto de que trata, o autor estabelece uma narrativa que flui através de bons diálogos e mudanças precisas quanto à voz que domina o discurso. Ora é Marina, abrindo registros de seus sentimentos no diário, ora um narrador intruso capaz de assimilar a fúria e a ironia tão próprias da personagem.
Ela tinha a impressão de estar sentada numa sala de teatro cujas cortinas esqueceram de levantar e onde o espetáculo já havia começado. Dito de outra maneira, sentada no seu lugar, ela olhava para a porta do banheiro e escutava as vozes do outro lado.
* Texto apresentado no site Dobras da Leitura, Ano VII n. 43 (março de 2007). Pertencem também à coleção “Estado de Alerta”, os títulos Se até as árvores morrem, de Jeanne Benameur, As duas mães de Mila, de Clara Vidal, e O desafio, de Marie Leymarie.
TIO MITCHO: Gvosden, ainda tem ameixa?
BOYANA: Onde tá a Malina?
TIA ROUJA: Mitcho, deixe-os em paz.
BOYANA: Onde tá a Malina?
TIO MITCHO: Estou atrapalhando? O que você acha, Lyerka?
BOYANA: Onde tá a Malina?
MAMÃE: Não, não, jamais! Claro que você não está atrapalhando ninguém!
PAPAI: Imagina.
DARKO: Prefiro não dizer o que penso.
BOYANA: Onde tá a Malina?
TIO MITCHO: Mas, realmente, onde ela está?
DARKO: E se você tentar adivinhar?
(Pausa prolongada)
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