11 de dezembro de 2015

uma afeição instantânea


É interessante pensar como um dos livros infantis mais famosos e lidos no mundo, como O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry, é também o livro que muitos ainda não leram, ainda que venham a conhecer seu personagem e alguma dúzia de frases do celebrado autor. Uma pergunta que comecei a me fazer: como ler, hoje, as aventuras do principezinho, com o espírito livre, e o que lá iríamos encontrar?

A obra nasceu há setenta anos, por uma encomenda do editor americano de Saint-Exupéry que desejava um conto de Natal para crianças, publicado apenas em abril de 1943. Suas páginas trazem mensagens a respeito de paz e da amizade sem fronteiras, tão necessárias naquele momento, em meio a Segunda Guerra Mundial, quando o autor – que também fora piloto de avião, além de nobre e filho de conde – estava em uma visita militar aos Estados Unidos a fim de conquistar apoio contra governo nazista estabelecido na França. Este é o contexto histórico oferecendo a primeira chave de leitura aos capítulos e à melancolia que tinge o rosto do Pequeno Príncipe.

Antoine de Saint-Exupéry elegeu a forma de parábola para narrar as aventuras e dissabores do menino vestido com casaca verde azulada de botões brilhantes, como habituamos a ver nas ilustrações e em inúmeras adaptações. Cada episódio revela um simbolismo bastante eloquente permitindo aos leitores encontrarem, no texto, uma crítica tanto social, quanto filosófica a respeito de valores humanos e à manutenção da vida. Ora, os símbolos são imagens rápidas e persuasivas; ainda que não consigamos decifrar seus significados, estabelecemos com eles uma afeição instantânea. E isto é válido para todas as personagens, mesmo a rosa, a raposa, ou a serpente dourada na areia. Algo nessas imagens despertam simpatia e fascínio. E sabiamente o autor articulou sua história para o público de crianças e de adultos igualmente. Esta estratégia faz realmente parte do jogo literário.

Cabe ao leitor acolher a parcela do símbolo que mais lhe agrade. E temos aí, então, as reflexões em uso e igualmente os desvios a partir de um livro como O Pequeno Príncipe. Esta obra sentimental teve seu caráter modificado ao longo dos anos, por inúmeros intérpretes como pela imposição da moda e do marketing – antes, os concursos de beleza e agora as estantes de autoajuda –, o texto muitas vezes lido fragmentariamente como alimento para a chamada criança interior... É interessante pescar essas idealizações, vulgarizando as mensagens do autor. Contudo, não deveríamos lamentar qualquer noção equivocada de infância perdida. Crescemos, ocupamos outra posição perante o mundo e os livros. O que não se poderia esquecer é a criança leitora de hoje em diálogo com a obra. Que divertimento ou aproveitamento moral o Pequeno Príncipe tem para compartilhar com elas, setenta anos depois?

Peter O. Sagae
Doutor em Letras (USP) e comentarista de literatura infantil
Na colaboração de Gabriela Romeu para a Folha de São Paulo
Saiba por que 'O Pequeno Príncipe' tem apelido de 'livro de miss'
Online 27.04.2013

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