Escrevi um poema imaginando que, SE EU FOSSE UM CICLOPE, conseguiria mirar o mundo inteiro num rápido lampejo, como águia, luneta, furacão, e tudo conquistava – logo veio-me a lembrança de Ulisses que feriu mortalmente o olho de Polifemo: se eu fosse um ciclope, deveria eu ser mais esperto do que o mais esperto dos heróis gregos. Poesia não é um bom lugar para vinganças. Inspirei-me de cautela: se eu fosse um ciclope, estiraria o polegar rumo ao horizonte para refrear meus inimigos ainda no mar...
Paralelamente, me aventurei com desenhos e lápis de cor. Ilustrar um poema? Que tarefa, talvez fosse realmente mais fácil criticar do que fazer. Se um verso vem e diz “gato“, a ilustração deve mostrar igualmente... um gato? Será que um olho não se parece bem mais com um peixe? E muitos olhos foram surgindo e me encarando, com jeito de pássaros, serpentes, protozoários e outras criaturas estranhas. Isso era divertido, pensei então: deixarei espaços em branco – para o leitor preencher com sua imaginação – e também com seus desenhos.
No começo, eu havia imaginado ciclopes selvagens. Porém, saiu a figura de um ciclope boy para dar cores ao outro lado do papel. Esse moleque foi desenhado a partir de algumas representações de deuses, monstros e heróis gregos, claro. Ele carrega raios como Zeus, tem uma barba verde como as algas do mar de Posseidon e anda nu por um azul que é água e noite, céu e órbitas de estrelas e olhos.
E pareceu razoável trazer uma embarcação antiga como o trirreme que possuía uma aparência mágica com olhos arregalados e rabo de peixe. De repente, vi o pequeno ciclope carregando um smartphone, o braço estendido adiante, pronto para tirar um selfie! Quem imaginaria um ciclope de verdade preocupado com o próprio euzinho? É que realmente ele ainda não é, por isso suspira, ah, se eu fosse um ciclope...
* * *
Então, é isso. Termino esta série de dez postagens sobre a produção independente, relatando uma experiência própria, ao publicar um poema no formato de fanzine, em março de 2017. Com uma única folha de papel dobrada e desdobrada em oito páginas, em uma face, e a imagem tamanho pôster, do outro lado. Certamente, os primeiros zines nasceram com a luz das máquinas xerográficas e eram em preto e branco em sua maioria; hoje substituímos a fotocópia pela impressão digital. Por aí afora, é interessante ver inúmeros tipos de zines utilizados como meio de expressão criativa e instrumento pedagógico com desenhos, colagens e um conteúdo bastante variável. SE EU FOSSE UM CICLOPE é uma apropriação, numa tiragem de 48 cópias, recortadas manualmente, numeradas e assinadas. Agora, eu sei – tem um ciclope no envelope!
Fotos publicadas no Facebook.
Foto adicional: Suryara Bernardi.
Nossos livros têm histórias☺Agora, 2 no Telhado!
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