dobradaleitura | não é apenas um livro dentro do livro o que vemos na ilustração de Bernardo Carvalho: este telhado é exatamente O CADERNO VERMELHO DA MENINA KARATECA, nas mãos da protagonista deste romance pluridimensional de Ana Pessoa (2012) — posto que o livro é abrigo de suas diferentes emoções e textualidades, com todo o fetiche permitido sobre o objeto: um códice de folhas vincadas ao meio e costuradas ao longo da aresta: espelho da menina, espelho do leitor para si mesmo — nesta rápida série de quatro pequenas postagens quero rever o lugar da imagem, sua metamorfose pela palavra e o humor que o livro de papel impõe, são as dobras de dentro pra fora – I
dobradaleitura | há na história de Ana Pessoa um gato preto de coleira vermelha que desaparece pela vizinhança: muito antes que se conte onde N o encontrará, Bernardo Carvalho irrompe num salto gráfico dentro do livro: o animal, ainda sem participação definida ou definitiva no enredo, aparece caminhando no interior através das páginas e leva o leitor a uma sequência de imagens que não sabemos se ilustram o que se deseja ter e obter, se fazem avançar o tempo do romance ou apontam uma realidade sem leitura — o gato não é unicamente preto, seu corpo articula-se numa passagem por duas dimensões a que chamamos verso e o outro lado da página — são as dobras de dentro pra fora – II
dobradaleitura | gosto da ideia de que uma imagem nunca mente, uma vez que ela não pode(ria) mostrar o que ela não é, mas apenas o que é — e Bernardo Carvalho retratou aqui um caso óbvio: a verdadeira página de rosto para o romance de Ana Pessoa: página com rosto que deixa atrás, no verso, a orelha e a massa do cabelo, o contorno de um ombro, cuidadosamente tirando proveito do vértice do códice para alinhar o pescoço — e eu, que lancei mão do anagrama imagens/enigmas (2008), muito desejo afagar o ROSTO DA PÁGINA, por onde humor é tudo: o destino do que irei ler na bola da goma de mascar, feito um fotograma de filme de Kieślowski — são as dobras de dentro pra fora – III
enfim, aqui o último comentário à margem de O CADERNO VERMELHO DA MENINA KARATECA, de Ana Pessoa e Bernardo Carvalho (2012) — todo texto que tomamos verbalmente deveria corresponder a uma imagem de si mesmo e não seria à toa que o tema dos gêneros textuais trabalhem muito com o conceito de espelho, de tamanha sorte que a literatura é um fantasma: o fim de qualquer caderno é transformar-se em livro e imagine, pois, que isto tudo não é um mero diário nem novela: com que assombro a narrativa andará adiante e adiante, apresentando uma discussão sobre o significado da morte do autor, por revolta dos personagens — são as dobras de dentro pra fora – IV
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