21 de fevereiro de 2011

“remover céu e terra para encontrar um só livro”

por Peter O'Sagae

Em 2083. David, 16 anos, e seu pai, em casa.
Em frente a um aparelho telessensor.
A notícia: o contexto.

Membros do Serviço Arqueológico encontraram, no interior de uma escavação um depósito de livros de papel, em excelente estado de conservação. Quase todos datam do princípio deste século, mas alguns são anteriores. O achado é muito importante para os historiadores, que agora têm diante de si a tarefa de catalogá-los e comprovar se há exemplares dos mesmos nos vastos galpões da Docuteca Nacional. É bom lembrar que os primeiros livros eram copiados à mão. A imprensa, que foi inventada na China, chegou à Europa no século XV. Os livros de papel deixaram de ser comercializados a partir de 2050, isto é, há pouco mais de 30 anos. Não se explorou completamente toda a escavação, pois seu acesso é difícil, o que significa que novas descobertas podem ser feitas.

Do escritor espanhol Vicente Muñoz Puelles, 2083, com tradução de América Marinho e Sandra Nunes, tratamento literário de Jorge Miguel Marinho, publicado pela Editora Biruta. Em 2010. Nesta obra, descortina-se um mundo sem livros de papel. Tampouco os livros digitais circulam pelo futuro. Teremos cópias em pontos longínquos da Cosmonet. Mas, raros acessos, prazos que caducam e a disponibilidade dos arquivos nem sempre é, ou será verdadeira. Títulos desapareceram no esquecimento...

O que acontecerá aos textos que ainda hoje nos emocionam?

Por sorte — e que sorte! — o pai de David trabalha em uma agência de viagens ao interior dos livros, a Bibliotravel. Com um sofisticado amplificador de inteligência, qualquer um pode adentrar um sistema ficcional a fim de acompanhar ou mesmo ocupar o lugar de protagonista nas aventuras ou no drama de heróis e heroínas. Regressando à realidade cotidiana, a lembrança vívida de pessoas e dos cenários. No modo interativo, é possível alterar detalhes da narrativa. E todas as situações passam a seguir o script de um desejo. Extremamente tentador! O único cuidado é que todas as viagens, como sonhos, podem se transformar em pesadelos...

David reviverá Davi, no passado bíblico, na luta contra Golias. Mas a ele valeria a pena decapitar o gigante? Em frente às muralhas de Troia, será o jovem Sinon escolhido por Ulisses para convencer os inimigos a conduzirem o genial cavalo de madeira ao templo de Atenas. Dará personalidade a obscuro moço de campo e praça que, após salvar alguns livros do fogo, acaba por tomar o lugar de Sancho na companhia de Quixote! David sentirá voltar no próprio tempo de menino como David Copperfield. E descobrirá o amor — e o ciúme por Zenaide, sob a aparência de Voldemar. Bem se diz que a literatura é o outro nome da perdição. Como reinventar O Primeiro amor, numa ilha de livros e promessas de felicidade, como se novelista russo Ivan Turguêniev jamais o tivesse escrito?

Talvez este seja o último livro de papel que você realmente leia. Talvez, o primeiro de outros mais. Ou apenas um link entre leituras futuras e as histórias do passado.

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