26 de julho de 2011

"a luz é seu tesouro"


Porque o exercício do poeta é tornar semelhantes os diferentes, Bartolomeu Campos de Queirós revela, com humor ingênuo e zelo, voos adivinhados dentro do ovo, cantos, asas que elevam anjos e aves ao céu mais cor de flauta... Mansamente, o autor desperta espantos do ninho das palavras e, então, acalenta o cotidiano e a imaginação como feitos da mesma matéria.

Seja lá “noite clara de prata” ou “dia com brilho de ouro”, no voo lúdico destes versos, o pequeno leitor pode comparar e permutar os objetos oferecidos à sua percepção: o ovo, a ave, a clara, a gema, a terra, o mar, o ar leve... às vezes cantos e rezas — e descobrir simpaticamente porque “é preciso duas casas para menino virar anjo”. Eis aí um antídoto contra pensamentos rasteiros, ainda que qualquer criança esteja distante de saber o que veio nos contar Octavio Paz: “cada imagem — ou cada poema composto de imagens — contém muitos significados contrários ou dispares, aos quais abarca ou reconcilia sem suprimi-los”. Ela bem o sabe, instintivamente. Por instinto poético.

Nas ilustrações de O OVO E O ANJO, em sua primeira edição (Global, 2007), Helena Alexandrino recria bonitos motivos sugeridos pela poesia de Bartolomeu. Escolheu a semelhança delgada da cegonha para representar a afeição humana das aves, fez anjos canoros e também anjos que são meninos em estripulias pelas paisagens tingidas de aurora, verde-água e diluições em cobalto, desenhou ninho de ovos e ninho que é colo de mãe. E olhos sempre fechados, como afirmando que a poesia é uma visão íntima aos sonhos. Na capa, símbolos dançam e se abraçam mágica e devotadamente. Ave e anjo se tocam na cumplicidade de oração, carinho mútuo, envolvendo com suas asas o mundo onde pousa o pé do menino buscando voo. É um mundo todo guardado como o tesouro de um ovo.

* Extraído de Dobras da Leitura 51, começo de 2008.


Já na segunda edição de O OVO E O ANJO (para obedecer acordos e desacertos ortográficos, vôo sem circunflexo pairando no mundo), em 2009, as artes de Lélis modifica fortemente a ambientação da leitura dos poemas. O aspecto lúdico e festivo em tons suaves de rosa, azul, verde, cede agora espaço para representações mais realistas de anjos e antigas cidades que parecem despovoadas em um conjunto predominantemente sépia.

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