7 de julho de 2012

quando menos = mais

Temporada de contos e recontos, 6

Na economia da linguagem, revela=se uma multiplicidade, sempre. De leituras, colhendo surpresas pelo caminho. Jogar com o leitor é algo que Angela Lago, agora Angela-Lago, se mostra mestre. Sempre +. E ninguém se cansa disso ou daquilo, esperando mesmo por aquele instante em que isso vira aquilo. Em seus livros, quando menos = mais...


Vamos fechar as contas sobre João Felizardo, o rei dos negócios (Cosac Naify, 2007), uma engenhosa reinterpretação do conto popular que recolheram os Grimm no século XIX: João, o rei da barganha que, de herança, recebe uma moeda de ouro, apenas e única, ah miséria, e sai mundo afora para fazer a própria fortuna. E, claro, confusão também...

A autora lança nossos olhos diretamente para a ilustração. É fácil ler a primeira cena. No entanto, mais fácil é perder-se nos detalhes da imagem crispada e castanha em traço incerto que dá o começo = o fim, o pai de João é morto. É preciso flagrar o sorriso no rosto dos homens, o movimento de suas mãos, os bolsos cheios de uns, a mão estendida do menino... Há muito o que ler = recuperar e criar a partir das pistas.


A narrativa segue em ritmo de lengalenga, pra lá e pra cá, todos sabem como é um conto acumulativo e Angela-Lago faz João trocar, trocar, trocar sucessivamente um cavalo por um burrinho e este por uma cabra esperta, por um porquinho sossegado, por um pássaro... O que o menino possui, cada vez mais, vai se tornando menor, mais leve, sem importância material, mais imponderável ou uma qualidade impensada... Parece mesmo que o rei dos negócios sai sempre perdendo algo e o leitor antecipa que coisa alguma vai durar verdadeiramente em suas mãos! Angela bole com a estrutura tradicional. Seria aí um des-conto cumulativo? E o pássaro que era tão... Oh, surpresa, nem o narrador tem tempo para completar a frase, o pássaro voa!


Ao fundo, a paisagem... eu pensei "fundo"? Engano-me, porque. A cidade se espalha, transborda nas páginas, comprime João e faz a gente se perder num caos só — essa cidade tão nossa, vai ficando para trás, com seus carros, casas e coisas altas de concreto. Então, cores planas, extensas e simples de azul e areia vão deixando o menino caminhar. Descobrimos porque João = Felizardo por um imenso segundo.



* Extraído de Dobras da Leitura 44: abril de 2007

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