Três livros de May Shuravel
Já é quase madrugada.
Não há mais ninguém na rua,
nem mesmo pra ver a lua,
que está só e abandonada.
Sem querer ficar sozinha,
ela entra, lentamente,
pelo vidro transparente
da janela da cozinha.
Os livros da antiga coleção Viola Quebrada voam para cima de minha mesa e as páginas vão se abrindo lentamente, nesse ritmo cobalto, para fazer sonhar e cantar a memória das cantigas de roda. Eis um rato desafinado que passa atrás de um pedaço de pão bolorento, fazendo coro com três formigas: “A barata diz que tem/ sete saias de filó...” A lagartixa estica a língua e cantarola: “A barata diz que tem/ um anel de formatura...”
Pouco a pouco, a casa se enche de muita música!
Pois esta era a proposta de May Shuravel, ao criar uma delicada moldura narrativa para cantigas tradicionais brasileiras. A coleção publicada originalmente nas Paulinas, em 2000, passou a integrar o catálogo da Salamandra como Ciranda dos Bichos, em 2005. Cada livro apresenta uma história inventada pela escritora e ilustradora, mais a letra e a partitura da respectiva cantiga. Além de É mentira da barata!, o pequeno leitor e ouvinte pode conhecer a ladainha da gatinha parda “que em janeiro me fugiu” com o livro Cadê Maricota? Você sabe, você sabe, você viu?
Tem também O papo do sapo que conta e encanta sofrimentos do verde cururu na beira do rio. Num bonito espelhamento entre gente e bicho, vai segredando o narrador:
Não é frio que o sapo sente
quando solta o vozeirão.
Ele canta, simplesmente,
porque sente solidão.
Quem sente frio é Seu Bento,
sem casaco nem sapato,
cantando, ali ao relento,
a moda maluca do sapo.
Josefina, na janela,
escutando a cantoria,
logo, logo, desconfia
que alguém canta pra ela.
Ó, maninha, May Shuravel... Quanta rima singela, rima rica, intercalada, que vai da mesa à porta e à janela, vai à lua, Argentina, Rio de Janeiro, Fortaleza e já volta nos brincos da intertextualidade. E a resenha assim termina, com licença, andando eu vou...
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