16 de abril de 2013

era cigarra, era formiga

peter o.o sagae


Nunca pude saber se as formigas têm dentes para sorrir pois, mesmo banguelas, o fato não as impediria de cair na risada contra a cigarra, tal como fabulou Esopo a respeito da colheita dos preguiçosos, num belo e distante dia de inverno...


Roberto Piumini transformou a velha fábula, curtinha, em uma lengalenga: pousada no alto de um galho, a cigarra azucrina um ratinho, uma abelha e, por fim, uma formiga fatigada que puxa um pesado grão de trigo. Ora, o frescor verde das folhas de verão desaparece, tudo seca e a cigarra vai ao chão. Zanzando por todos os lados, ela não mais estridula, mas treme com fome e com frio... Ao fim do percurso narrativo, encontram-se A cigarra e a formiga, com imagens de Nicoletta Costa e a tradução de Daniela Bunn (Positivo, 2010), no formigueiro.

A primeira suplica, a outra explica: “Para trazer aqui dois ou três grãos, duas ou três de nós trabalharam dois ou três dias.” Educadíssima a formiga. Porém, o coro de vozes não muda um til ou uma vírgula da lição, enquanto a cigarra se aproxima da porta: cantou, agora dance!


No entanto, dizem... que, ao escolher a história da cigarra e da formiga para encabeçar e abrir o volume de suas Fábulas Escolhidas, em 1668, La Fontaine não escondia a intenção de encenar o drama dos artistas – que cantam, pintam, escrevem – e enviar um recado político e polido ao rei e à sociedade frívola da época. A estratégia do escritor francês foi deixar os versos sem o arremate de uma moralidade explícita, permitindo que o final permanecesse em aberto para os leitores tomarem um ou outro partido. Na estante de livros, o busto de La Fontaine parece sorrir e piscar para nós, embora a verdade seja como sofrer mordedura de formiga: ainda nos coça...

Muitos escritores e poetas posicionaram-se em defesa da cigarra – o que é bastante óbvio, modificando principalmente o desfecho da narrativa com ampliações, remendos, arremedos, com a moral esópica às avessas, como as duas versões de Monteiro Lobato (1922), a narrativa rimada de Braguinha (nos anos de 1960) ou o poema de José Paulo Paes, breve sempre e bastante sensível, no livro Poemas para brincar, com ilustrações de Luiz Maia (Ática, 1989).

SEM BARRA

Enquanto a formiga
Carrega a comida
Para o formigueiro, 
A cigarra canta,
Canta o dia inteiro. 

A formiga é só trabalho. 
A cigarra é só cantiga. 

Mas sem a cantiga
Da cigarra 
Que distrai da fadiga,
Seria uma barra
O trabalho da formiga!



Por fim, Alessandra Pontes Roscoe também escreve, leva e traz A outra história da cigarra e da formiga, com ilustrações de Adilson Farias (Mundo Mirim, 2010), introduzindo um bem-te-vi para resolver o bate-boca ao pé do formigueiro. O texto possui uma divisão formal como se escrito em versos, deixando prevalecer, contudo, a feição da prosa em ordem direta:

A formiga, arrependida, 
percebeu que estava sendo metida, 
até mesmo um pouco exibida, 
achando que só o seu trabalho 
era importante na vida.

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