Peter O'Sagae
A pedra possui um forte simbolismo e quase não há escritor que escape a seu apelo. No livro A CIDADE DOS CARREGADORES DE PEDRAS, de Sandra Branco, com ilustrações de Elma (Cortez, 2008), desde o título já se adivinha o peso da metáfora, na tradição literária e oracular, como um fardo difícil que se carrega às costas. Na cidade onde Pedrinho nasceu, era natural ver as pessoas carregando pedras: algumas com devoção, outras com pena de si; a maioria com o esforço próprio, mas outras passando a responsabilidade adiante... E não faltavam aqueles que escapavam a levar apenas algumas lascas de pedra – julgando-se espertos, sem se aperceberem que o acúmulo também lhes traz o preço incômodo dos caminhos a pagar.
Pedrinho se impõe a pensar – quem foi o primeiro homem a carregar pedras? E por que todos deveriam levar seu peso vida afora? O narrador da parábola atualiza a lição na voz de um personagem apresentado como o velho e sábio senhor Pedroso que trabalhava na pedreira da cidade. Tudo é, então, muito bem explicado, pedra sobre pedra, sem espaços para as inferências do leitor. Rompendo pedras, quebrando a tradição, as pessoas passaram a crescer sem os sentimentos do medo e da culpa, um pouco mais leves e felizes.
Em outro livro para crianças, perguntas também ocupam o pensamento da personagem Mariana, uma menina de olhos azuis como muitas outras meninas de olhos de outra cor, sempre feliz, iluminando a vida dos adultos desde o seu nascimento. Até que... Chega a idade dos porquês, cujas explicações quase sempre dão ensejo a terminar com um desabafo peremptório da criança – “Não é justo!” Em A PEDRA DO CONHECIMENTO, de Sergio Napp, com ilustrações de Anelise Zimmermann (Paulinas, 2010), o escritor tem enumerado pequenas peripécias domésticas no cenário rural dos pampas e conduz Mariana a um riacho de águas claras, onde fortuitamente encontra uma pedra de forma ovalada com vários tons de azul – um pedaço de céu que caiu na Terra, assim imagina a menina.
A pedra do conhecimento transforma-se em uma espécie de talismã para resolver qualquer mistério que houvesse no caminho de Mariana. Contudo, isto é um despiste que o narrador espera que o leitor descubra: não está na pedra o poder, mas no olhar de quem a segura – um olhar que vai além, que perscruta, que não se conforma...
“Cabe a cada um escolher o que fazer.” Esta é a palavra de toque de Tino Freitas, a última frase do livro KURIKALÁ E AS TORRES DE PEDRA, que conta com as ilustrações de Lúcia Brandão (Salamandra, 2014).
O menino Demócrito Kurikalá é um dos muitos brasileiros mestiços: filho de homem branco e mãe indígena, vivendo ainda em um pedaço de chão karajá sem energia elétrica, afastado dos divertimentos pela televisão e a internet. O seu olhar aprofunda-se pela mata do cerrado e através das histórias que sabe o avô – e a vida, assim pertinho das águas frias do Rio das Almas, vai se preenchendo de significados.
A mãe faz bonecas de argila para vender na cidade e, no caminho... As pedras do caminho pedem o calor da mãos de Kurikalá, e o menino vai construindo pequenas torres equilibrando pedras por onde passa. É essa toda a sua natureza: semear diferenças, como se estivesse brincando. Mas, não está! Tino Freitas soube tirar proveito de um universo interior em construção em que a atividade de trabalho funde-se a uma forma de razão e alegria moral. É assim que o menino faz a sua parte – e ainda que venham outras crianças de outros lugares com outras visões de mundo, por curiosidade ou ignorância, destruir o caminho que só ele soube escolher –, Kurikalá retoma o equilíbrio entre as torres, pousando pedra acima de pedra, sem peso algum.
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