3 de agosto de 2015

um instante para Dante!

peter o'sagae


Adolescente ainda, e uma das primeiras lições sobre intertextualidade (em uma época que não se explorava tão didaticamente esse conceito) foi descobrir o diálogo de um Drummond a um Bilac e, deste, aos versos de Dante Alighieri – donde todo o acontecimento extraordinário de um texto não era um segredo ou um fato da vida do poeta, mas – outro poema (este sim, o caminho) a mais outro e mais outro... Daí pode-se pensar como andei às dobras da leitura, bons anos depois, com essa imagem de caminhos que se cruzam em figuras, quiasmos e esquinas, sem cansar-me os olhos...

E haveria também espaço para brincar com Dante na literatura para crianças?


José Santos propõe A DIVINA JOGADA, um poema narrativo com ilustrações de Eloar Guazzelli, em um bonito livro de dimensões verdadeiramente épicas (23x34cm) predominando os tons ligados à terra e à carne, mais o cobre, o verde e o azul, marcando a estreia da Editora Nós (2015). Nesta aventura, Dante e Virgílio descem ao Inferno e, respondendo corretamente uma adivinha, têm passagem livre para assistirem a um diferente desafio: uma partida de futebol entre capetas e a seleção celestial que resulta, noves nada, sem vencedor na primeira de três partidas. Na fase do Purgatório, o time azul já abre vantagem pra cima dos monstros, como o Minotauro, Brutus, Ferrabrás, Canhoto, Judas e Caronte... Até que vem a vitória no estádio do Paraíso. Dá para acreditar?


Parodiando o antigo poema florentino do século XIV, José Santos junta criaturas de todos os credos e mitologias, tomando a forma empenhada por Dante, como o uso dos tercetos, mas não atinge a linha de meta com os versos hendecassílabos; sua linha métrica vai variando aqui e acolá entre nove e doze pés. Não descreve a série extensa de círculos concêntricos que Dante conheceu outrora, mas dá ao texto uma narrativa sucessiva como locução esportiva em torno do círculo central dos três campos de futebol. E o leitor não deixará de encontrar em cena a bela Beatriz, musa e destinadora dos esforços do poeta. É ela quem o instrui:
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Peço que volte à Terra, sem demora,
pra escrever o que viveu nessa jornada.
Conte a toda gente, mundo afora,

58
o que viu do Céu. E das terras assombradas.
De quem viveu na inveja e mesquinhez,
mostre os castigos. Não esconda nada.
E também eu não escondo passagens de Dante que vi nos textos para crianças: ABRINDO O CAMINHO, de Ana Maria Machado com ilustrações de Elisabeth Teixeira (Ática, 2003), na primeira postagem de Dobras da Leitura O'Blog, e o livro de imagem AURORA, de Cristina Biazetto (Projeto, 2009).


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