Costumava dizer a meus alunos que política e poesia são duas faces de uma mesma moeda, a face da política evidentemente que não faço muito juízo de todas as problemáticas sobre as fronteiras e a economia de um povo, um estado, uma nação, aí mesmo onde não há terreno para metáforas como na poesia, quando uma imagem mais outra imagem buscam definir uma ideia, um conceito, uma resposta à realidade objetiva com sua subjetividade entre um alerta e uma ilusão de presença. Penso no livro como uma porta, uso a fotografia de uma publicação impressa como esta porta.
As crianças de Gaza choram, no entanto têm mais coragem do que eu. Ontem traduzi outro poema que dizia isso a meu respeito. As crianças do Congo choram. As crianças da Ucrânia choram. As crianças Yanomami choram. Ouvi as vozes de crianças da Bósnia refugiadas na Espanha lendo cartas, em 1992, entre doçuras e soluços, entre risos e lágrimas. Não é preciso conhecer uma palavra quando se escuta, determinadamente, os sentimentos de perda, desejo por respostas, desespero, espera. Ouvi ainda crianças espanholas lendo cartas de outras crianças espanholas refugiadas na Rússia, em 1947, elas nunca voltaram para casa. Ouvi um menino mexicano chorando a morte do pai que ele mesmo enterrava, exigindo que a revolução viesse, tarde o temprano.
Esses caminhos de leitura e escuta me levaram à carta de Fadwa Tuqan, extenso poema, breve poema, com um discurso entrecortado de memórias recentes e distantes, evocação de narrativas familiares e maravilhosas, oscilando como a fita de áudio em um gravador-reprodutor. É a pequena caixinha sonora de Brecht que não pode ficar muda, de repente. Se toda palavra contém um som, todo som uma imagem, a porta aí está para estarmos no corpo desta poeta, ecoando suas palavras em nosso conhecimento de mundo.
Quanta cultura árabe ainda cabe na Palestina?
Quanta Palestina existe no ‘sonho árabe’ dos orientalistas?
AL-ZULAICH
A porta branca desta plaquete impressa domesticamente e costurada à mão aqui coloquei frente à parede externa da Fundação Manoel Madruga que fotografei, quando estive em Goiânia, em 2019. De origem egípcia, a decoração em cerâmica foi introduzida na Península Ibérica através dos árabes, dizem, durante o século XIII ou XV. Já imagino que, no mesmo longo de período de imprecisão, tenha nascido o Burtopelo (mas isso é material para outra postagem). Além da tez moura-espanhola, o azul da porcelana proveio da China e um refinado acabamento fabril da Holanda.
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