O diálogo da criança com a morte tornou-se um dos temas mais requisitados na produção dos últimos anos. Obviamente, por um viés distinto de algumas tradições e estratégias literárias que jamais exilaram a morte das narrativas. É assim que – a despeito da morte que regenera o mundo nos antigos mitos, a morte simbólica ou punitiva do males morais nos contos populares, a morte em série e despersonalizada nas novelas policialescas, a morte afetiva e filosófica das novelas, a morte ricamente dolorosa porque estruturadora da personalidade nas obras clássicas –, agora, nos livros, a morte, por vezes, é acolhida e amealhada pelo discurso da autoajuda na ficção para crianças, o que revela muito mais a inquietação do escritor e seu leitor adultos.
Sabemos que as coisas que fazem o coração transbordar não possuem traduções objetivas em palavras ou imagens. Mas exatamente aí, na impossibilidade de comunicar determinadas experiências, a literatura tem o seu propósito de evocar sentimentos e trazer para perto de nós o que é singelamente singular... De modo contrário, as explicações necessitam abstrair de múltiplas vivências um caráter geral, generalíssimo e compreensível a todos. Desconfiamos. Uma resposta – ou concepção de morte – não estará inteiramente nos livros, senão nas pessoas que a possuem previamente por alguma intuição, ou esperança, e vêm buscar nesta ou naquela literatura mais poética, científica, psicológica, espiritualista, religiosa ou pedagógica, seus portos de consolação.
Alguns títulos que Dobras da Leitura recebeu...
A MENINA, A VACA E O AVÔ, de Luís Pimentel com ilustrações de Rosinha (Positivo, 2011), transmite, ao final da história, uma visão finita da existência. Tudo nasce, vive a infância e a vida adulta, e naturalmente tudo acaba. Sem a companhia do avô, a menina vê a vaca crescendo, de bezerra a novilha, vê a vaca envelhecendo. E um rio, seguindo o próprio curso, vê a moça vendo a vaca seguir ao encontro do avô. Explica o narrador que “os dois estão guardados bem próximos um do outro, num pedaço de terra que se espalha entre o pasto e o rio.”
A MENINA E O SOL, de Constança Lucas e Júlio Gonçalves Dias (Formato, 2011), reforça a ideia de um segundo céu para os mortos, lugar que não se vê como as estrelas ofuscadas à luz do sol. Nesse outro céu, está a avó da menina – e ainda que muito insista em querer espiá-la, se iria conseguir subindo nos ombros do pai, no telhado, procurando de binóculos ou lanterna, de olhos bem abertos... As respostas da mãe são sempre curtas e negativas; há um súbito desvio na conversa com o convite da mulher para irem tomar sorvete: o que logo se compreende é a dificuldade do adulto em lidar com a saudade.
AGRIDOCE NOSTALGIA, de Tatiana Belinky e Elisabeth Teixeira (Paulinas, 2011), apresenta um depoimento organizado em versos. Quando era pequena e caía, não havia motivos para chorar porque o pai cuidava dos machucados – que feriam tão por fora – com sorriso e proteção. Era um tempo de desconhecer dor que viesse do medo de estar só, completamente só... Até o dia funesto, como ela diz, e o chão desapareceu sob seus pés! Jorrou o pranto sentido e, então, ela ouviu: “Venha cá que eu te levanto!” Era a voz do pai acudindo-a, qual acalanto, da desolação.
TATI É ESPECIAL, de Jean-Claude R. Alphen (Scipione, 2011), busca pela mensagem transcendente das estrelas que já se apagaram... “embora continuemos a ver sua luz”. Entre o discurso científico e a metáfora, Juca questiona como os seres e as coisas também podem morrer e desaparecer, deixando de si, um brilho especial. Tão importantes são as pessoas – e Tati – e sua conclusão é que ninguém deixa de existir de verdade, mas vira estrela no céu, sempre triste e maravilhoso para ser observado, despertando lembranças de quem partiu.
RECADO DA CHUVA, de Célia Cris Silva e Rogério Coelho (Vida e Consciência, 2011), faz contraponto entre a cinzenta paisagem fora de casa e o acolhimento doméstico que aquece a companhia de mãe e filha, brincadeiras, abraços, chá, bolinho de chuva, olhar para dentro do coração e perceber o mundo que, ali dentro, se pensa e sente. A filha cresce, sai de casa; num dia futuro de chuva, a morte da mãe será compreendida como uma viagem, longa, sem volta, que, no entanto, recomenda lembranças e sentimentos alegres dos dias bem vividos.
SEMPRE PERTO, de Stéphane Servant e Aurélia Fronty, com tradução de Adilson Miguel (Scipione, 2011), é uma tessitura poética, ao som da imagem parampá-pam-pam de um tambor estampado com um coração rubro, na primeira página, e cuja narração se deixa tocar por uma linguagem direta e subjetiva que desdobra a primeira pessoa: “Naquela manhã, soprou um vento muito forte, soprou tão forte... que levou mamãe.” E a sinestesia da memória faz da cidade um labirinto por onde o menino reencontra os gestos maternos que o vento espalhou, mas não levaria jamais embora o abraço apertado que a mãe vem lhe dar. Em seus sonhos.
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