peter ô.ô sagae
Há uma figura de dança e movimento
no menino. Talvez daí venha a pipa. Ao céu.
Ao telegráfico sol. O amarelo, banhado o chão de sombras.
E deitada, ainda, a pipa, varetas, rabiola, cola, papel de seda.
Vermelho. Apenas um menino construindo seu brinquedo.
E o vento enrola a linha toda fora do carretel. E o Céu
verde, viu? Uma cor tão pura, feroz. Cordão, coração. A sombra
do menino pelo chão em liberdade voa. Onde tudo é
azul.
Já não posso ler e reler ordenadamente o livro de Roger Mello,
A pipa (Paulinas, 1997; Rovelle, 2013), uma vez que nele encontro
um sonho dentro de um sonho que se transforma em pesadelo – e
o efeito da leitura aí talvez contenha toda a sua mensagem, o significado que os olhos acolhem para depositá-lo compreensivelmente no coração – e, ao sangue correndo rumo aos pensamentos, o significado lento, lento, um dia desperte em ação moral. Pois assim apreendi, há muito, uma ideia de Juan de La Cruz que me parece propositalmente indicar o caminho muitas vezes silencioso e solitário de uma aprendizagem intransferível. Tal é o desígnio das artes.
Os olhos acolhem. O personagem e suas ações, um céu que é inesperadamente roxo ou laranja, inesperadamente o céu singrado de outras pipas, papagaios, arraias, pandorgas, califas, pentágonos, maranhões enormes quadriculados pretos e brancos em espaços rasantes e cortantes: a brincadeira termina. E as expectativas do menino viram um deserto extenso... No horizonte, então, desponta um balão dirigível. Imbatível!
O coração acorda. Entre planos e formas de aparência bastante espontânea, as cores propõem um jogo com figuras que fazem a história nascer do desenho – vão as cores traduzindo de um modo muito imediato as sensações ora ingênuas, ora instintivas, primeiras, primárias tão próximas às crianças. Aqui e ali não se pode esperar uma ilusão de realidade nas cores que descem do céu ao chão, porque não pertencem aos objetos do mundo: de fato e destino, as cores estão em concordância com os sentimentos. Em uma intensa explosão.
O pensamento. Um livro de imagem encena quase sempre sua própria mensagem na passagem por quadros e páginas. E, nesse mister, Roger Mello dispara a trama simples e sensível de um combate, muitos combates que se vê pelos ares e, por aí, espalham-se e se plantam pelos recantos do mundo – mas, até quando, a rivalidade?
Essa é uma pergunta por anos correndo. Este é um livro de imagem ainda bastante inédito na literatura para crianças, recentemente relançado, e sobre o qual não encontrei comentários a respeito – A pipa é, afinal, um apólogo? – algo onírico e tarsila, algo nabi e profético, a expressão visual e sentimental de um artista, entre matizes de Matisse, miríades de linhas de Miró.
E, por fim, o outro sonho.
Que
vem da pipa e eleva o menino,
muitos meninos em céu marinho.
É quando, talvez a paz...
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