22 de novembro de 2024

diz aí, edmir!

“Temos, pois, em O caneco de prata, um quadro desolador de uma sociedade antropofágica, à qual se ajustariam as observações Hannah Arendt: ‘Uma sociedade de consumidores não é de modo nenhum capaz de saber cuidar de um mundo e de coisas que pertencem exclusivamente ao espaço da aparição do mundo, porque sua atitude central em relação a todos os objetos, atitude de consumação, implica a ruína de tudo em que ela toca.’

“Se a História não é construída, nada há a relatar, a não ser o próprio processo caótico da destruição. Por isso, o narrador, em O caneco de prata, nada mais faz senão o registro caótico do processo de consumação. A fragmentação do enredo, alinhavado pelo tempo da disputa, é construção formal que permite, a nível estético, neste caso, a captação de instantes agônicos de uma sociedade estilhaçada por um processo de modernização desumanizante.

“Por outro lado, a recusa em constituir um discurso ‘histórico’ significa também o reconhecimento do poder da linguagem na criação da História. Tal atitude aparece com clareza no capítulo 43, quando, parodiando a tradição literária para crianças e jovens, o narrador utiliza a linguagem para criar a estória/História:

“‘E todos aqueles varões bem armados e adestrados, musculosos, calçando botinas, cantando canções de guerra, levando a bandeira vermelha com o osso e a caveira lambendo o vento, era uma coluna de guerra e de aventura, de desbravamento e de morte, e, ao atravessarem o mapa do Brasil, indo reto sobre rios e cachoeiras e montanhas e florestas e plantações e animais selvagens, lembravam as colunas épicas da humanidade...’”

#intertextualidade
O texto sedutor na literatura infantil
Edmir Perrotti (1986: 110)

Nenhum comentário:

Postar um comentário